COMO MINDFULNESS TRANSFORMA O SOFRIMENTO? – John D. Teasdale e Michael Chaskalson

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John D. Teasdale
Michael Chaskalson (Kulananda)

Resumo.
Mindfulness transforma o sofrimento através de mudanças no que a mente está processando, mudanças em como a mente processa, e mudanças na visão do que está sendo processado. O aspecto de “presença na mente” da mindfulness é importante para compreender estas mudanças e é discutido em termos de memória de trabalho. A perspectiva de Subsistemas Cognitivos Interativos (ICS) reconhece dois tipos de significado, um explícito e específico, o outro implícito e holístico. Nós sugerimos que mindfulness é uma configuração da mente na qual a memória de trabalho de significados holísticos implícitos assume um papel central. É aqui que o processamento e visão da experiência são transformados pela criação de novos padrões de significado implícito. Esta análise é aplicada à prática de mindfulness, mindfulness enquanto um estilo de vida, ao treino dos instrutores e à mindfulness voltada à diferentes aspirações.
No primeiro dos dois artigos interligados (Teasdale e Chaskalson 2011), nós descrevemos a análise do Buda quanto à natureza e a origem de dukkha (sofrimento). O Buda também ofereceu um programa de práticas, o Nobre Caminho Óctuplo, através do qual dukkha chega ao fim. Mindfulness é um conceito essencial neste caminho de liberdade e despertar. Mindfulness também é, obviamente, o foco principal de aplicações baseadas em mindfulness (como a Mindfulness-based Stress Reduction [Redução do Estresse com Base em Mindfulness; MBSR] e a Mindfulness-based Cognitive Therapy [Terapia Cognitiva com Base em Midnfulness; MBCT]).  Este segundo artigo aborda a seguinte questão: como mindfulness contribui para a transformação de dukkha que ocorre quando praticamos o Nobre Caminho Óctuplo ou nos engajamos em programas de aplicações baseadas em mindfulness?
Para fins desta discussão, iremos utilizar o termo ‘mindfulness’ para nos referir às práticas e processos indicados no próprio ensinamento do Buda concernente à este tópico, o Satipatthana Sutta.

Origens de dukkha

Como vimos no primeiro artigo, a análise do Buda sobre dukkha, conforme expressa na Segunda Nobre Verdade, identifica tanha, avidez, anseio, como a origem de dukkha. O Buda também ofereceu uma análise mais detalhada do sofrimento conhecida como a Originação Interdependente ou Surgimento Co-dependente. Esta análise mais detalhada sugere que dukkha surge e é sustentada enquanto resultado de padrões complexos de interações entre variadas condições que se reforçam mutuamente, perpetuando a si próprias (Thanissaro 2007). Nós podemos entender estas condições como processos e conteúdos mentais. O sofrimento, então, é encarado como o resultado de composições ou padrões particulares de processos mentais que interagem de modo a preservar a configuração vigente. Estas configurações são dinâmicas – o sofrimento é ativamente criado e recriado, momento a momento. A manutenção destas configurações depende da recriação de um conjunto de condições específicas de um momento para o outro, de novo e de novo.
Esta análise sugere que nós podemos obter uma cessação temporária de dukkha mudando estas condições, de modo que tais padrões de processamento não mais se retroalimentem. Para chegarmos a um final definitivo de todo o sofrimento, que é o objetivo do Nobre Caminho Óctuplo, temos que mudar estas condições de modo que as configurações que perpetuam dukkha não emerjam mais. Mindfulness nos oferece meios de mudar estas condições nestes dois sentidos.
Podemos estabelecer três vias pelas quais mindfulness pode gerar seus frutos. Ainda que sejam distintas, estas três estratégias estão interligadas. Vamos descreve-las brevemente e então explorar aspectos específicos de cada uma com mais profundidade.
Como forma de ancorar nossa discussão teórica, vamos ilustrar alguns dos pontos abordados com um exemplo concreto: imagine que um colega de trabalho telefone às 21:30h, se intrometendo no tempo que você pessoalmente reservou para descanso e relaxamento. Ele deseja conversar sobre algumas cifras relativas ao seu trabalho. Ele aparenta estar te acusando, tentando te intimidar. Você tem uma regra: não falar de trabalho depois das 19h – por que ele está fazendo isso? Você está com raiva pois sua privacidade foi invadida. Depois da ligação, você se vê irritado e triste, ruminando pensamentos sobre a ligação e seu colega, que parecem se forçar para dentro da sua mente.
Participantes de programas baseados em mindfulness frequentemente relatam uma redução do estresse advindo de tais episódios. No exemplo acima, eles podem relatar que observaram, com alguma surpresa e satisfação, que, como resultado da prática de mindfulness, um episódio como este que poderia os perturbar por questão de horas agora só gera perturbação por alguns minutos ou mesmo segundos. Consideremos algumas explicações para tal mudança.

Três estratégias para mudança 

A primeira e mais simples estratégia para alterar as condições que criam e sustentam o sofrimento é mudar o conteúdo que a mente está processando. Podemos fazer isso realocando o foco de nossa atenção para aspectos da experiência que são menos suscetíveis a sustentar a geração e continuação da configuração que produz sofrimento. Então, no caso do exemplo acima, podemos intencionalmente focar e sustentar nossa atenção nas sensações da inspiração e da expiração; este foco relativamente neutro irá gerar menos combustível para a manutenção das configurações problemáticas que apoiam os pensamentos emocionalmente carregados relacionados à ligação telefônica.
Uma segunda abordagem é deixar o “conteúdo” mental inalterado, mas mudar a configuração de processos – o “molde” – através do qual o material é processado. Conquanto a primeira estratégia muda o que é processado, esta outra muda como o material é processado. Isto pode significar, por exemplo, um envolvimento intencional e aberto, nutrido de interesse e curiosidade, com as sensações desconfortáveis criadas pela ligação telefônica perturbadora enquanto objetos de experiência, afastando o automatismo da reação de aversão, na qual podemos facilmente nos perder.
A terceira estratégia é mudar a visão do material sendo processado. Na análise do Buda, as configurações que nos mantém presos em sofrimento estão enraizadas em nossa ignorância fundamental, o equívoco básico que vê o impermanente como permanente, o inseguro como seguro, o que é ‘não-self’ como ‘self’, e que não reconhece com clareza a natureza e origens de dukkha e os meios de cessá-la. Se conseguimos ver as coisas claramente como são – se nos livramos da tendência de nos identificar pessoalmente com as experiências –, removemos então uma condição básica da emergência das configurações que sustentam dukkha. Com relação à ligação telefônica perturbadora, isto pode envolver uma alteração de perspectiva de “esta pessoa realmente me magoou com a sua fala” para “pensamentos, emoções e sensações corporais desagradáveis estão presentes agora”.
Cada uma destas três estratégias requer de nós que sejamos conscientes. Se desejamos criar mudança intencionalmente naquilo que é processado, em como é processado ou na visão do que é processado, precisamos saber o que está se passando no momento. A prática de mindfulness cultiva a meta-consciência – a capacidade de reconhecer direta e intuitivamente aquilo que se expressa na consciência a cada instante. Neste nível fundamental, mindfulness oferece uma crucial contribuição à cada uma das três estratégias que identificamos. Vamos nos debruçar, então, mais detidamente sobre a primeira delas.

Estratégia 1: mudar o conteúdo (‘o que’ do processo) 

Em regra, os objetos focais de nossa atenção, seja externa ou interna, são ditados não pelas nossas escolhas conscientes, mas por vieses habituais relativamente automáticos que nos conduzem para um lado ou para o outro. Nesta situação, nossa atenção é reativa; nossas mentes podem focar em aspectos da experiência que alimentam o sofrimento, e ficamos reféns de uma ausência de controle. Por exemplo, no caso de experiências perturbadoras, como o da ligação telefônica, pode ser que tenhamos aprendido a reagir nos remetendo à memórias e pensamentos relativos às origens da perturbação (‘o que eu fiz de errado?’; ‘de quem é a culpa?’ etc.). Tal remissão seletiva da memória é um dos vieses de padrões de pensamento ruminantes (Watkins 2008) que podem perpetuar emoções de raiva e depressão.
Nós podemos nos ver livres dos efeitos destas prioridades atencionais automáticas e inconscientes através da alocação consciente e intencional da atenção em determinados objetos ou classes de objetos. Por exemplo, podemos substituir a disposição habitual de remissão à memórias e pensamentos relativos ao evento perturbador pelo envolvimento intencional com estímulos sensoriais relativamente neutros, como as sensações da respiração ou do som. Deste modo, mudamos o conteúdo processado pela mente de modo a reduzir à criação de mais sofrimento.
As práticas iniciais de mindfulness, ensinadas tanto em aplicações baseadas em mindfulness como em várias meditações Budistas, solicitam do praticante que sustente o foco de sua atenção sobre as sensações do corpo e os movimentos respiratórios, que reconheça quando a mente se dispersou do seu foco, e, uma vez que haja a dispersão, que relaxe a atenção, repousando-a novamente no corpo e na respiração. Mesmo no programa relativamente curto, de oito semanas, de MBSR e MBCT, no qual o praticante medita formalmente por 45 minutos todos os dias, os participantes irão ensaiar esta sequência centenas ou mesmo milhares de vezes.
Deste modo, os participantes irão praticar extensivamente o cultivo da habilidade de detectar quando a mente se perde em pensamentos, e, então, de intencionalmente redirecioná-la para um foco determinado. Participantes de MBSR e MBCT são orientados explicitamente a usar estas habilidades de substituição de atenção para liberarem-se de padrões de pensamentos que podem criar sofrimento emocional. Estudos sistemáticos (Allen et al. 2009) demonstram que, conforme relatos de muitos pacientes, o desenvolvimento destas habilidades é um dos maiores benefícios do MBCT, oferecendo uma ferramenta que permite reconhecer e interromper os padrões de pensamento ruminantes que poderiam conduzir à uma reincidência  depressiva.
É, por óbvio, importante que estas habilidades sejam ensinadas de um modo que contemple integralmente o reconhecimento da presença destes pensamentos inúteis ou emoções desagradáveis antes do movimento de intencionalmente alterar o foco da atenção enquanto uma ação positivamente motivada, ao invés de apenas tentar encontrar um meio de evitar ou se livrar de experiências desconfortáveis. Este último padrão, de aversão e evasão, simplesmente reforça a rejeição experiencial que é um fator central de muitas configurações de condições que sustentam a perturbação emocional (Hayes et al. 1996).
Aprender a intencionalmente controlar a atenção também pode ter efeitos a longo prazo mais indiretos, como um aumento da sensação de agência e auto-eficácia em relação à pensamentos e emoções desagradáveis (Allen et al. 2009). Estes efeitos perdurantes podem levar à reduções de sofrimento à longo prazo.
Os efeitos do treino de mindfulness em reduzir o sofrimento a partir desta primeira estratégia de mudar o que a mente processa não são difíceis de entender, e podem ser comuns à outras abordagens que envolvem o treino do controle da atenção. Em contrapartida, os meandros pelos quais mindfulness gera seus efeitos através da segunda estratégia, de mudar como a mente processa o conteúdo selecionado, e através da terceira estratégia, de mudar a visão diante deste conteúdo, são menos óbvios. Estas estratégias também são mais especificamente características das abordagens baseadas em mindfulness do que de outras abordagens de treino de atenção. Para entendermos estas vias de mudança, precisamos primeiro examinar mais intimamente certos aspectos de como a mente e o coração operam.

Memória de trabalho 

Dreyfus (2011) sugeriu que o conceito de memória de trabalho nos ajuda a apreciar um aspecto da mindfulness que recebeu pouca atenção nas discussões contemporâneas; a visão de mindfulness enquanto “a habilidade retentiva que dá base à nossa capacidade de extrair sentido de nossa experiência”. Este aspecto de mindfulness é particularmente relevante na compreensão dos mecanismos cognitivos através dos quais mindfulness transforma a maneira que a mente processa e enxerga a experiência (‘cognitivo’ aqui, e em outros momentos deste artigo, se refere ao processamento de informação em geral, incluindo o processamento de emoções e sensações, não só de “pensamentos”).
A memória de trabalho é uma área de trabalho limitada em nossa arquitetura mental, na qual diferentes peças de informação podem ser temporariamente sustentadas e processadas. Por exemplo, peças distintas de informações mantidas na memória de trabalho podem ser integradas em padrões mais amplos que, por sua vez, podem modelar novos entendimentos e ações. As palavras desta frase se processadas individualmente, comportam porções de informação muito limitadas. No entanto, se elas forem sustentadas na memória de trabalho e encaradas como um todo integrado, um padrão mais amplo de informação fica acessível e é possível veicular informação muito mais rica. Do mesmo modo, se os significados das frases deste parágrafo forem sustentados na memória de trabalho, o padrão de informação total resultante comportará informação muito mais rica em significado do que seria possível em frases isoladas.

Memória de trabalho e mindfulness 

Como esta habilidade da memória de trabalho, de sustentar porções separadas de informação e integrá-las em padrões mais amplos, pode ser relevante para a transformação do sofrimento via mindfulness? Uma perspectiva cognitiva (‘cognitivo’ aqui sendo usado no sentido mais abrangente) sugere que o sofrimento é uma resposta à padrões de informação específicos (por exemplo, padrões que comportam certos significados emocionais). Esta perspectiva sugere que podemos prevenir ou reduzir o sofrimento transformando os padrões de informação que o produzem. A memória de trabalho oferece um campo no qual estes padrões podem ser sustentados e integrados com outros padrões para a criação de novos padrões que não produzem sofrimento. Em um exemplo simples, um padrão de informação relacionado à uma pessoa andando exatamente na nossa direção e eventualmente trombando em nós, que poderia ordinariamente evocar uma reação de irritação, é menos suscetível a evoca-la se conseguirmos integrá-lo em um padrão mais amplo que contempla também a informação que a pessoa está usando óculos com lentes muito grossas, o que sugere que ela talvez não enxergue muito bem.
Para que esta integração aconteça, as peças separadas de informação devem estar presentes juntas ao mesmo tempo na memória de trabalho. Como podemos fazer isso ou nos certificar de que a mente está operando assim? É aqui que mindfulness entra em cena; psicólogos têm repetidamente sugerido uma associação entre memória de trabalho e a mente consciente (Baddeley 2000; Baars e Franklin 2003). Isto quer dizer que a consciência atenta perante uma experiência é um indicativo de que informação relacionada está sendo “guardada” na memória de trabalho, tornando-se disponível para processamento. Podemos ir mais além e dizer ainda que o processo de estar atento [mindful] à um objeto traz as informações relacionadas à memória do trabalho e as conservam lá. Neste exemplo, a consciência da pessoa trombando em nós e da existência das lentes grossas nos diz que padrões de informação relacionados à ambas experiências estão presentes na memória de trabalho e disponíveis para serem integradas de maneiras que podem reduzir o sofrimento. Atenção consciente destes dois aspectos da experiência é uma maneira de levar esta informação à memória de trabalho e mantê-la ali.

Diferentes memórias de trabalho 

A esta altura, precisamos adicionar um ponto de refino maior que reflete tanto os fatos relativos à experiência subjetiva, quanto as exigências da teoria cognitiva – nós podemos estar conscientes da “mesma” experiência de diferentes maneiras, dependendo de como nos envolvemos com ela. Consideremos a situação da pessoa trombando em nós. Podemos sustentar consciência sobre a situação a nível puramente sensorial e perceptivo – enquanto um padrão de formas e cores. Em contrapartida, a nível “factual”, podemos sustentar consciência do “fato” que é o contato físico com a pessoa. E, em um nível de significado mais amplo advindos das implicações deste e de outros fatos, podemos sustentar consciência sobre uma sensação intuitiva de perceber a outra pessoa como “ignorante, egoísta e indiferente ao conforto e à segurança das outras pessoas” (ainda que expressa aqui em palavras, a experiência consciente deste tipo de significado implícito e derivado não é, de fato, expresso em pensamentos articulados verbalmente, mas mais enquanto uma “sensação” ou “impressão” perante a pessoa). (Estes três aspectos têm o propósito de ser ilustrativos e não exaustivos; existem outros aspectos da ‘mesma’ experiência sobre os quais também podemos estar conscientes.)
Dado o vínculo sugerido entre memória de trabalho e consciência, o fato de que podemos estar conscientes de diferentes aspectos da experiência sugere que pode haver diferentes tipos de memória de trabalho, cada um relacionado à um aspecto diferente da consciência. Pesquisas psicológicas de fato entendem que não há apenas uma memória de trabalho singular e unitária que lida com todos os tipos de informação, mas diversas memórias de trabalho diferentes, cada uma especializada em manejar um tipo de informação em específico.
Esta multiplicidade de memórias de trabalho pode mesmo fazer parecer menos atraente a ideia da memória de trabalho enquanto uma ferramenta para compreender como mindfulness transforma o sofrimento. De fato, abordada dentro da estrutura teórica a seguir, esta multiplicidade contribui para esta tarefa ao nos fazer encarar as seguintes questões: (1) Qual memória de trabalho sustenta e integra o tipo de informação que está mais diretamente envolvida na criação e alívio do sofrimento? (2) Seria esta uma memória de trabalho particularmente associada à mindfulness?
Modelos cognitivos de emoção sugerem que a nossa resposta emocional à uma experiência está vinculada ao significado que damos à esta experiência. Dado o fato de que podemos reconhecer mais de um tipo de significado (literal, metafórico etc.), a pergunta crucial é: qual destes diferentes aspectos de significado é mais diretamente relacionado com a emoção? Depois de considerar detidamente a questão, Teasdale (1993) concluiu que significados holísticos implícitos, derivados intuitivamente da experiência, são os mais intimamente envolvidos tanto na criação e no alívio de emoções perturbadoras. Portanto, no exemplo da pessoa que esbarra em nós, o significado implícito “pessoa ignorante, egoísta e indiferente ao conforto e à segurança das outras pessoas” estaria mais vinculado à nossa raiva. Este nível de significado (que iremos destrinchar mais adiante) reflete implicações derivadas de constelações inteiras de significados conceituais mais específicos e padrões de informação sensoriais-perceptivos relacionados. Nós experienciamos estes significados na consciência a partir de “sensações” – sensação de que alguém é confiável ou suspeito; uma sensação de confiança ou de apreensão.
Se elementos da informação relativa ao significado implícito “pessoa ignorante, egoísta e indiferente ao conforto e à segurança das outras pessoas” forem integrados com outras informações, por exemplo a realização implícita “ele é deficiente visual e não consegue ver pra onde está indo” (intuitivamente derivado do fato de ele usar óculos com lentes grossas), então toda a informação relevante deve ser sustentada na memória de trabalho que é especializada em lidar com significados holísticos implícitos. Isto permitiria a criação de um novo padrão refletindo uma temática implícita de “intenção inofensiva e inocente” que reduziria a intensidade da irritação, ou mesmo a transformaria em compaixão.
Seguindo esta linha de raciocínio, poderíamos sugerir que mindfulness, em comparação com a ausência de mindfulness, é uma configuração mental na qual a memória de trabalho para o tipo de informação que contempla significados holísticos implícitos (o nível de significado mais diretamente envolvido na criação e transformação do sofrimento) exerce um papel particularmente relevante. Podemos expressar estas ideias mais formalmente na seguinte hipótese: mindfulness é caracterizada por configurações de processamento cognitivo nos quais a memória de trabalho para significados implícitos, intuitivos, exerce um papel central; quando mindfulness transforma o sofrimento mudando a maneira com a qual a experiência é processada ou percebida, a integração da informação em novos padrões dentro desta memória de trabalho exerce um papel central.
Nós iremos usar estas hipóteses para nos guiar na exploração das maneiras pelas quais mindfulness transforma o sofrimento através da segunda e terceira via: mudanças em como a experiência é processada e em como ela é vista. Entretanto, devemos nos debruçar primeiro sobre a noção de significados holísticos implícitos, uma ideia que é central à nossa abordagem e, ao mesmo tempo, sutil e não necessariamente fácil de apreender. Nós vamos beber na fonte do sistema de Interacting Cognitive Subsystems [Subsistemas Cognitivos Interativos] (ICS) (Barnard e Teasdale 1991; Teasdale 1993; Teasdale e Barnard 1993), no qual estes significados parecem ocupar um papel central na produção de emoções. Este sistema foi aplicado anteriormente no entendimento dos efeitos terapêuticos da mindfulness (Teasdale 1999; Teasdale, Segal e Williams 1995). (O sistema ICS na verdade usa o conceito de “reserva de memória” ou “registro de imagem” ao invés de “memória de trabalho”, mas, para nossos propósitos, podemos usar estes termos de maneira equivalente.)

Dois Tipos de significados 

          O poema “La Belle Dame Sans Merci” de John Keats começa com as seguintes quatro linhas:
Ó, que pode afligi-lo, cavaleiro em guarda,
Sozinho, em pálido errar?
O carriço murchou do lago,
E nenhum pássaro a cantar.
Para a maioria das pessoas, a leitura destas linhas comunica uma sensação intuitiva de melancolia e abandono. O efeito é bem diferente daquele advindo de uma frase simples expressando o significado literal: “o homem se sentiu solitário e triste”.  O efeito também é diferente da soma de significados literais do poema expressos em uma linguagem não poética: “Qual o problema, soldado antiquado e em guarda, vagueando por aí fazendo nada com uma expressão pálida? A planta caniça se decompôs na margem do lago e não tem nenhum pássaro cantando” (Teasdale e Barnard 1993, 73).
ICS sugere que a sensação intuitiva de melancolia e abandono carregada por este poema é o correlato subjetivo e consciente de comunicação de um significado holístico implícito relacionado com estes temas. Este tipo de significado implícito não pode ser reduzido ao tipo de significado explicitamente factual e conceitual que normalmente preenche uma frase. Você pode checar se o significado está de fato sendo transmitido se, tendo lido o poema novamente e “sentido” a emoção engendrada, você se perguntar “seria divertido conhecer esta pessoa em uma festa?” Muito provavelmente, você saberá direta, imediata e não conceitualmente –  em outras palavras, sem precisar pensar – que a resposta é um enfático “não”. Este é um outro tipo de conhecimento, que habita no centro do processamento consciente.
ICS faz uma distinção entre um significado Proposicional, mais específico, e um significado Implicacional, mais abrangente. O significado proposicional corresponde ao tipo de significado direto, explícito, factual, conceitual ou literal transmitido em uma frase simples. A experiência subjetiva associada é a de “saber” se é ou não o caso acerca de alguma coisa. Em contrapartida, o significado Implicacional transmite um significado que é implícito e holístico, e que não pode ser reduzido à uma frase simples, ou mesmo à soma de significados conceituais específicos ordenados em uma sentença. A forma de comunicar estes tipos de significados via linguagem geralmente é através da poesia, metáfora, estória ou parábola.
Significados Implicacionais capturam a “estrutura profunda” da experiência; similitudes subjacentes que são recorrentes à uma gama de situações de vida que, ainda que diferentes superficialmente, dividem temáticas comuns. Estes padrões prototípicos incluem temáticas comuns dentre os padrões recorrentes de significados conceituais, juntamente dos elementos comuns de padrões recorrentes de informação sensorial que tipicamente ocorrem com eles. Por exemplo, significados Implicacionais podem capturar padrões recorrentes de significado (como “a realização do meu desejo é impossível”) extraídos de situações “desesperadoras”, juntamente das informações de padrões de sensações corporais que ocorrem em tais situações, como a sensação física de estar “sobrecarregado”. Refletindo estes dois aspectos do significado Implicacional, o significado transmitido por um poema também depende da combinação de escolhas cuidadosas de padrões de significados conceituais, juntamente do som das palavras, sua cadência e imagética evocada.
Em oposição ao “conhecimento com a cabeça” ou “conhecimento de alguma coisa”, puramente intelectual dos significados Proposicionais, o processamento consciente de significados Implicacionais é mais associado com uma qualidade experiencial. Estes significados são ‘sentidos’ ou ‘percebidos’ e frequentemente detém uma qualidade de “conhecimento pelo coração” ou “conhecimento visceral” e assim por diante. As linhas do poema acima de fato transmitem uma sensação experiencial de melancolia e abandono, ainda que de forma limitada e silenciosa, ao invés de nos contar algo sobre a melancolia e o abandono, como em uma passagem em prosa sobre o assunto.

Dois tipos de significado e a transformação do sofrimento 
Consistente com nossa discussão anterior, a estrutura teórica do ICS afirma de modo um tanto assertivo que apenas significados Implicacionais holísticos estão diretamente ligados à emoção e ao sofrimento. Em contrapartida, significados Proposicionais afetam a emoção apenas indiretamente, através de sua contribuição aos significados Implicacionais. Segue-se que a transformação do sofrimento tem que acontecer principalmente na memória de trabalho especializada em significado Implicacional. Nós podemos encarar mindfulness como uma maneira de acessar e “trabalhar” com a memória de trabalho Implicacional. Quando contemplamos a experiência sob o ângulo de mindfulness, nós sustentamos elementos relacionados de significado Implicacional na área de trabalho de modo a permiti-los ser integrados em novos padrões, ou processados de uma perspectiva mais ampla, e assim eles não mais evocam sofrimento. Podemos mesmo dizer que a mindfulness permite à poesia da experiência de momento a momento se reescrever, transitando graciosamente sua temática do sofrimento para uma de paz e a tranquilidade. Por este motivo que o uso judicioso de poesia em intervenções baseadas em mindfulness pode ser tão eficaz – elas evocam sensações que contém significados profundos, além das palavras, no espaço de silêncio durante uma sessão na aula.
Diferente da memória de trabalho Implicacional, na qual o “trabalho” de elementos de significado Implicacional pode aliviar o sofrimento, a memória de trabalho Proposicional está presente proeminentemente em configurações que criam sofrimento (assim como, é claro, em muitas configurações que não criam sofrimento) (Teasdale 1999). É aqui que a mente compara suas ideias de onde está com as ideias de onde ela pensa que deve estar e, se este vale não puder ser transposto, pode se tornar um vórtice que nutre o sofrimento. Segal, Williams e Teasdale (2002, 68) identificaram este processo com um “monitor de discrepância” e propuseram que ele ocupa um papel central na ruminação que sustenta o quadro de depressão persistente. Em geral, a memória de trabalho Proposicional deriva elementos de significado Implicacional refletindo temas de insatisfatoriedade, decepção, frustração e similares a partir das discrepâncias entre conceitos de estados desejados e vigentes. Estes significados Implicacionais podem criar sofrimento.
Com este panorama teórico em mente, nos encontramos em posição de considerar a segunda e terceira via pelas quais mindfulness contribui para a transformação do sofrimento: mudanças em como as experiências são processadas e mudanças em como as experiências são enxergadas.

Estratégia dois: Mudar o “como” do processo 

Mindfulness envolve uma mudança radical na maneira com a qual nós nos envolvemos com a experiência. Na segunda via de transformação do sofrimento, mindfulness rebenta as configurações que sustentam dukkha através da mudança de condições relacionadas com como a informação é processada ao invés das condições relacionadas com qual informação é processada, que é o caso da primeira via. Aqui, o mero ato de trazer consciência atenta à experiência pode, em si mesmo, desconstruir e transformar configurações de processamento negativas habituais.
Como podemos entender isto? Algumas das mudanças de processamento associadas à mindfulness são melhor compreendidas em termos de uma alteração da configuração geral, ou da “molde” da mente. Como observamos anteriormente, configurações processuais que geram e mantêm dukkha geralmente priorizam um nível de informação verbal-conceitual; a ruminação que alimenta o estresse na sequência de uma ligação telefônica perturbadora costuma envolver um fluxo de pensamentos, geralmente expressos verbalmente: “como ele ousa dizer isto!… ele realmente me perturbou… como eu posso continuar a minha noite depois de uma coisa dessas?…’ Este tipo de pensamento sobre a experiência envolve uma manipulação de conceitos relativos à experiência, ao invés da experiência em si mesma, e, da perspectiva do ICS, reflete uma configuração de processamento na qual a influência dominante é a memória de trabalho Proposicional e não a memória de trabalho Implicacional.
Em contrapartida, a prática de mindfulness cultiva uma maneira mais direta, intuitiva e experiencial de conhecimento da experiência presente (Farb et al. 2007; Watkins e Teasdale 2004) – o conhecimento da experiência está na própria consciência sobre ela. Da perspectiva do ICS, este tipo de conhecimento reflete uma configuração de processamento na qual a influência dominante é a da memória de trabalho Implicacional e não a memória de trabalho Proposicional. A resposta consciente ao estresse subsequente à ligação telefônica envolve trocar o pensamento ruminante sobre a ligação, seus efeitos e consequência, pela consciência dos pensamentos, emoções e sensações corporais, conhecidos experiencial e diretamente, enquanto aspectos da experiência no momento. Esta troca no modo de conhecer, exercida a partir da aplicação intencional da atenção de determinadas maneiras, reflete uma reconfiguração da mente de modo que a influência primária deixe de ser a memória de trabalho Proposicional e passe a ser a memória de trabalho Implicacional. Deste modo, mindfulness pode transformar o sofrimento através da mudança do “molde” da mente, a partir da qual a experiência é processada de modo que as condições não mais sustentem a contínua criação e recriação de momento a momento das configurações que perpetuam o sofrimento.
Outros efeitos da mindfulness no processamento podem ser melhor entendidos em termos de mudanças dentro da memória de trabalho Implicacional. Como observamos no primeiro artigo (Teasdale e Chaskalson 2011), a Segunda Nobre Verdade identifica o anseio e a aversão como condições cruciais para o surgimento de dukkha. Tanto o anseio como a aversão estão enraizadas em uma motivação subjacente de medo. Com a aversão nós precisamos nos livrar de experiências ou estados de ser desprazerosos, e com o anseio e a adesão ao desejo compulsivo de obter e sustentar um objeto de desejo o que se reflete é um medo de que iremos falhar na obtenção deste objeto ou, uma vez obtido, que iremos perde-lo. Em contrapartida, mindfulness cultiva processos mentais enraizados na motivação da aceitação, e foi demonstrado que ela transforma padrões de atividade cerebral característicos de rejeição em padrões mais característicos de aceitação (Davidson et al. 2003).
Nós podemos compreender estes efeitos de mindfulness em termos de mudanças dentro da memória de trabalho Implicacional. É aqui que elementos de significado Implicacional refletindo temáticas de curiosidade, interesse e engajamento, inerentes à mindfulness, podem ser processadas juntamente de padrões de significado que incorporam temáticas de rejeição, aversão e resistência de modo a transformar sua capacidade de criar sofrimento. No exemplo da ligação telefônica perturbadora, a ação de deliberadamente trazer uma consciência atenta, gentil, curiosa e interessada à experiência da perturbação introduz elementos de significado relativos à abordagens de aceitação na memória de trabalho Implicacional. Uma vez lá, de maneira que iremos examinar mais intimamente abaixo, elas podem contrabalancear os efeitos dos elementos de significados relacionados com temáticas de rejeição que foram criadas pelo pensamento ruminante raivoso que perpetua sofrimento.
Anseio e aversão também refletem um desejo de que a experiência seja diferente de como efetivamente é. Mindfulness intencionalmente incorpora uma disposição de permitir às coisas serem exatamente como são. Com a perturbação que se segue da ligação telefônica, responder com consciência atenta traz uma postura deliberada de permitir às experiências do momento, aos pensamentos, emoções e sensações corporais desagradáveis, que sejam exatamente como são conforme os sustentamos na consciência e passamos aos conhecer mais de perto. Quando agimos assim, nós introduzimos elementos de significado Implicacional relacionados com temáticas de “aceitação” e “relaxamento” na memória de trabalho Implicacional, onde elas podem ser integradas e transformar os significados implicacionais relacionados com desejar se ver livre de pensamentos, emoções e sensações corporais desagradáveis, e também da pessoa que causou estas experiências. Deste modo, nós transformamos as condições que dão suporte à continuação de padrões de processamento que perpetuam dukkha de um momento para o outro. Privados desta sustentação, estes padrões se dissolvem e ficam liberados do sofrimento.
Desta maneira, a partir da integração de padrões Implicacionais corporificando motivações de aceitação ao invés de rejeição, de abertura ao invés de afastamento, a sabedoria de mindfulness pode transformar as condições nas quais experiências difíceis são processadas. Nós podemos compreender o processo pelo qual tecemos qualidades transformativas como paciência, confiança, pacificação, aceitação e relaxamento (Kabat-Zinn 1990, 33-5) na prática de mindfulness nestes termos.
Como estes processos são tão centrais à eficácia da mindfulness, e distinguem mindfulness de simplesmente prestar atenção na experiência, será útil olhar para eles mais de perto.

Mudança ‘Implicacional’ versus Mudança Proposicional 

Elementos temáticos implicacionais são, efetivamente, destilações da essência de experiências repetidas envolvendo aceitação, abertura, boa vontade e assim por diante, ao invés de um sumário de conhecimento factual sobre estas experiências. Quando estes elementos são incorporados no processamento, eles trazem com eles um “sabor” experiencial ou “qualidade” que ecoa a “sensação” da experiência original, assim como as quatro linhas do poema “La Belle Dame Sans Merci” traziam algo da “sensação” de melancolia e abandono. Deste modo, através do cultivo contínuo, a consciência presente pode se tornar imbuída de uma sensação de curiosidade, interesse, gentileza, abertura etc.
Nesta abordagem “Implicacional”, nossa sensação subjetiva pode gentilmente guiar o processo de integração destes elementos temáticos; nós como que “sentimos” nosso caminho de incorporação do “espírito” de curiosidade, abertura etc. da melhor forma que pudermos. Esta abordagem “Implicacional” é bem diferente da abordagem “Proposicional”, mais voltada para objetivos. Esta última envolve, por exemplo, a determinação de alvos conceitualmente elaborados, como “ser uma pessoa gentil”, a serem atingidos a partir de uma lista de instruções conceitualmente elaboradas (como uma “lista de afazeres”): “sentir-se gentil”; “agir com generosidade”; “ser amoroso”; “ser empático e compassivo” e assim por diante. Além de nos deixar em dúvida quanto à como exatamente podemos fazer estas coisas, e estabelecer uma sensação geral de “compromisso” e “obrigação”, esta abordagem ainda arrisca gerar mais sofrimento; na discussão da Segunda Nobre Verdade, no primeiro artigo, nós vimos que a fixação em um objetivo como “ser um self que é gentil (curioso, aberto etc.)” é exatamente a condição que alimenta dukkha.
Podemos ilustrar esta distinção importante entre a abordagem “Implicacional” e a abordagem “Proposicional” pelas formas alternativas que podemos nos posicionar diante da afirmação de que mindfulness envolve “prestar atenção e não julgar”. Uma abordagem Implicacional iria encarar esta afirmação como um estímulo para incorporar estas qualidades, ou o “espírito”, do não-julgamento e da aceitação na atenção que trazemos para a experiência, na medida de nossas capacidades. Uma abordagem Proposicional iria encarar ou enxergar a mesma informação como uma instrução para parar de julgar. Todavia, é claro que inevitavelmente iremos nos encontrar julgando e comparando. Nesta situação, a abordagem Implicacional é a de receber também a própria instrução em um espírito de aceitação e abertura, talvez incluindo os próprios julgamentos no escopo da consciência atenta. A abordagem Proposicional, por sua vez, enxerga no fato de julgarmos e compararmos uma falha na consecução do objetivo de não fazer julgamentos. Esta visão, é claro, provavelmente irá gerar mais julgamentos autodepreciativos, mesmo que nós nos dermos a instrução de não julgar o julgamento!
Como? 
Como nós podemos trazer elementos temáticos específicos para a memória de trabalho Implicacional? Como incorporamos o sabor da gentileza e da abertura na consciência em mindfulness? Uma maneira é tirar vantagem do aspecto de ‘relembrança’, ‘recordação’ ou do ‘manter em mente’ da mindfulness, amplamente reconhecido na tradição Budista e retomado por George Dreyfus (2011).
Podemos ilustrar o que temos em mente aqui retornando às quatro linhas do poema. A leitura do poema evoca uma sensação de melancolia e abandono, a qual, conforme sugerimos, reflete um processamento de padrões Implicacionais relacionados à estas temáticas na memória de trabalho Implicacional. Esta sensação de melancolia e abandono logo desaparece quando paramos de ler o poema, e não estamos mais ativamente processando estes padrões Implicacionais. Se, a esta altura, nós trouxermos à mente as palavras “melancolia e abandono”, ou uma imagem do poema, então existe grande possibilidade, se o lemos há apenas alguns instantes, de experienciarmos uma sensação de melancolia de novo, e com uma intensidade muito maior do que se não tivéssemos lido o poema.
Podemos entender esse processo de re-evocar uma sensação a partir da perspectiva a seguir. Tendo sido processados recentemente na memória de trabalho Implicacional, padrões de informação Implicacional relativos à temáticas de melancolia e abandono ainda estão relativamente “frescos” e acessíveis na memória Implicacional de longo prazo. Eles podem ser resgatados dali para a memória de trabalho Implicacional por deixas relevantes. Processados uma vez mais na memória de trabalho, estes padrões irão recriar a sensação de melancolia e abandono e “resetar o relógio” ao atualizar suas representações na memória de longo prazo. Pela repetição contínua deste processo – ‘trazendo à mente’ a sensação de melancolia e das deixas correspondentes – seria possível manter os padrões de significado Implicacional presentes e ativos na memória de trabalho. Uma vez lá, eles estariam acessíveis para uma possível integração com a informação emergente da experiência em desdobramento. Este é um processo análogo ao nosso hábito de manter um número “em mente”, repetindo ele mentalmente de novo e de novo, mantendo, assim, o seu “frescor” na memória a curto prazo. O processo na memória de trabalho Implicacional está, por óbvio, em um nível de informação muito mais complexo.
Uma segunda forma pela qual nós podemos manter informações relativas à temas relevantes “vivas” na memória de trabalho Implicacional é através de ações surgindo das motivações vinculadas. Toda vez que nós intencionalmente agimos com uma sensação naturalmente emergente de gentileza, compaixão ou generosidade nós estendemos o tempo no qual a informação tematicamente vinculada estará presente na memória de trabalho Implicacional. Nós dispomos de informações vinculadas na memória Implicacional, aumentando a chance destas informações serem “recuperadas” depois. Estas são algumas das razões pelas quais o Nobre Caminho Óctuplo atribui tanta importância à conduta e a intenção ética, juntamente com a ênfase na meditação e na compreensão.
Uma terceira maneira com a qual podemos introduzir conteúdo temático na memória de trabalho Implicacional é indiretamente, através da contemplação de conteúdo Proposicional tematicamente afim. No entanto, como esta abordagem é geralmente mais relevante na terceira estratégia de transformação do sofrimento – mudar a visão diante da experiência – retornaremos a ela quando formos discutir este tópico.
A relevância destas estratégias para sustentar conteúdo temático vivo na memória de trabalho vai além da mera reação consciente às experiências específicas de sofrimento. Ela se estende para os efeitos mais duradouros e abrangentes de mindfulness, que iremos abordar a seguir.

Mindfulness como um jeito de ser

Do que dissemos até agora, já conseguimos entender algumas maneiras através das quais a resposta intencional de mindfulness diante de experiências indesejáveis e desagradáveis pode reduzir o sofrimento. Vamos considerar, agora, como a prática de mindfulness pode reduzir o sofrimento mais genericamente.
Allen et al. (2009) deu como subtítulo de seu artigo sobre os efeitos da MBCT a citação de um de seus pacientes: “ela me transformou tanto quanto era possível”. Tal comentário sugere que este paciente aprendeu muito mais do que usar mindfulness somente para lidar melhor com experiências particulares de pensamentos e sensações desagradáveis. Não é incomum que participantes em programas baseados em mindfulness relatem coisas como uma abertura a um jeito de ser completamente novo – uma sensação de realização de potencial para um jeito de viver a vida de modo radicalmente diferente, que sempre esteve presente, mas de alguma maneira não se encontrava acessível. Do mesmo modo, uma das observações mais intrigantes na MBSR e na MBCT é que os pacientes frequentemente relatam uma redução na perturbação e na ruminação seguida de um episódio difícil, como o exemplo da ligação telefônica, mesmo quando eles não tentaram deliberadamente reagir  de modo diferente; a qualidade de seus relatos é muito mais no sentido de “isto aconteceu” do que “eu fiz isto”.
Como podemos entender o que está acontecendo nestas situações? Primeiro, precisamos compreender que a prática de mindfulness não está focada especificamente em experiências desagradáveis; os alunos da meditação de discernimento, e participantes nas aplicações baseadas em mindfulness, são encorajados à manter a atenção ‘mindful’ sobre todas as experiências – boas, ruins, neutras, indiferentes – por tanto tempo quanto possível. Mas os efeitos que descrevemos parecem ir além da simples soma de muitas “respostas conscientes” repetidas no decorrer do tempo. Eles parecem ser mais consistentes com os efeitos cumulativos da prática sustentada de mindfulness, que produzem mudanças mais duradouras no “molde” total do coração e da mente. Em outras palavras, é como se a prática de mindfulness invertesse a configuração dos processos mentais, ou o que chamamos de modo mental, de um modo que tem o potencial de criar sofrimento para um modo que tem o potencial de curar sofrimento. Este novo modo mental, com seu padrão diferente de “como” a experiência é processada, persiste por algum tempo até que, como resultado de uma mudança de condições, a mente e o coração invertem outra vez ao seu modo habitual.
Nós propusemos que a mindfulness está particularmente associada com configurações de processamento nas quais a memória de trabalho Implicacional ocupa um papel central. Esta proposta sugere que a hipótese de que as mudanças no modo mental que descrevemos envolvem uma transição de um modo habitual, no qual a memória de trabalho Proposicional e o pensamento conceitual tem uma influência dominante (um modo que é chamado de “agir”) para um modo alternativo, no qual a memória de trabalho Implicacional e o conhecimento experiencial tem uma influência dominante (um modo que é chamado “ser” [Kabat-Zinn 1990; Segal, Williams e Teasdale 2002; Williams et al. 2007]). Esta transição explicaria: (1) os efeitos amplamente generalizados da prática continuada de mindfulness; (2) a forma pela qual elas são experienciadas como um novo jeito de ser; e (3) a maneira pela qual experiências perturbadoras perdem seu poder de engatilhar estresse sem necessidade de qualquer resposta intencional.
A transição deste modo mental proeminente não será estável, especialmente no início da prática de mindfulness; uma manutenção constante é necessária para prevenir o retorno às configurações profundamente enraizadas que habitualmente sustentam dukkha. Como fazemos isto?
O aspecto de “manter em mente” da memória de trabalho Implicacional, que consideramos anteriormente, oferece numerosas maneiras de apoiar este modo mental alternativo. Ele proporciona uma maneira de incorporar temáticas como abertura e aceitação, que nutrem um modo de “ser” de influência Implicacional, ao invés de um modo de “agir” de influência Proposicional. Ele também tem a importância crucial de oferecer um meio de manter viva a intenção e a motivação de conservar a consciência atenta e presente. Mas precisamos ser cuidadosos em relação a como exatamente nós “mantemos em mente” esta intenção. Manter viva a memória da instrução Proposicional “mantenha-se atento e consciente” pode ser útil, mas corre o risco de tornar-se uma voz incômoda empoleirada em nossos ombros, “fiscalizando” como estamos nos posicionando a cada momento. Isto, é claro, seria um tanto contraproducente. A “alternativa Implicacional” de manter vivos padrões de significado Implicacional relacionados ao “espírito” de curiosidade, interesse e investigação, dos quais uma mente espontaneamente aberta e consciente pode surgir com mais naturalidade, é passível de ser mais bem-sucedida.
Nós podemos compreender a eficácia de certas práticas formais nas quais a consciência atenta, presente e espontânea é sustentada por períodos maiores de tempo com base na abordagem Implicacional. Martine Batchelor (2011) descreve como manter em mente uma pergunta silenciosa, por exemplo “o que é isto?”, pode conservar todo o modo de consciência atenta e presente vivo: “Quando eu meditava, eu me perguntava internamente repetidas vezes: “o que é isto?” . Eu não o fazia com o objetivo de chegar a uma resposta, mas de desenvolver uma sensação de investigação e então intensificar esta sensação”. Esta descrição é notoriamente similar à da recomendação de manter a informação vinculada à temas salubres na memória de trabalho Implicacional que apresentamos antes. A pergunta “o que é isto” aqui é claramente trabalhada a nível Implicacional, e não a nível Proposicional (ela não demanda uma resposta conceitual); e fica frisada a importância de conectar-se com a “sensação” da pergunta (que, da perspectiva da ICS, é o correlato consciente de processar temas de curiosidade, interesse e investigação na memória de trabalho Implicacional). Deste modo, a pergunta e a sensação evocada por ela podem ser usadas para conservar o processamento de temas que irão apoiar a continuidade da consciência atenta e presente. Todo este processo, portanto, “segura” a mente em uma configuração na qual a memória de trabalho Implicacional, e não a Proposicional, ocupa uma função predominante.
Mindfulness oferece a possibilidade de modos mentais ou jeitos de ser mais habilidosos nos quais nós podemos, se relembrarmos, nos conservar por um maior período de tempo. Nestes estados nós experimentamos menos sofrimento e maior tranquilidade e paz e, por esta razão, eles são grandemente valiosos por e em si mesmos. No entanto, eles não trazem um final definitivo para dukkha: como todos os outros estados mentais, eles são temporários, e quando nós nos esquecemos de deliberadamente pratica-los ou cultiva-los, estamos sujeitos a retornar às configurações de condições que criam sofrimento. Por esta razão, dentro da tradição Budista, Mindfulness é vista como um meio e não como um fim: ela oferece um caminho para o desenvolvimento de insight, discernimento, ou uma mudança de visão, a terceira estratégia que identificamos. O discernimento nos dá a chance de tanto reduzir o fardo da insatisfatoriedade cotidiana como de eliminar dukkha completamente.

Estratégia três: mudando a visão 

Ainda que nós tenhamos estabelecido uma distinção entre três estratégias através das quais mindfulness transforma o sofrimento, é importante lembrar que elas são inerentemente inter-relacionadas. Conforme nos aproximamos da terceira estratégia através da perspectiva da ICS que delineamos, veremos que muitas situações poderiam ser descritas igualmente bem em termos de mudanças na visão da experiência, mudanças no processamento da experiência e mudanças com relação à experiência.
Nós geramos sentido da experiência individual dentro de visões mais amplas de como as coisas são. Estas visões, esquemas ou modos mentais esquemáticos definem e formatam a maneira como nós enxergamos a experiência, mais ou menos como lentes. Estes efeitos podem acontecer em todos os níveis. A nível mais fundamental, a observação da experiência em termos de um interno (“eu”) e um externo (“o mundo”), por exemplo, é uma função de uma lente de propósito bem amplo pela qual nós habitualmente enxergamos a experiência. O mesmo poderia ser dito de ver a experiência em termos de “sujeito” e “objeto”.
A ignorância que discutimos no primeiro artigo, que é a fundação de toda dukkha, envolve a observação por lentes que: (1) enxergam a experiência em termos de objetos e sujeitos independentemente existentes e duradouros, e não em termos de processos que se desdobram dinamicamente; e (2) nos permitem nos identificar pessoalmente com as experiências enquanto “eu” ou “meu”, quando, de fato, elas são fenômenos impessoais que surgem enquanto uma função de certas condições.
Em princípio, nós podemos transformar o sofrimento tanto mudando a maneira de aplicar as lentes já existentes como criando lentes novas. Podemos ilustrar a primeira destas estratégias com o efeito da mindfulness conhecido como “descentralização” (Teasdale, Segal e Williams 1995; Segal, Williams e Teasdale 2002) ou “repercepção” (Shapiro et al. 2006).
A descentralização ou repercepção envolve uma transição radical na maneira como usamos as lentes mais básicas pelas quais experienciamos em termos de “sujeito” e “objeto”, de modo que aquilo que comumente nós tomamos como sujeito se transforma em objeto. Na mindfulness nós nos envolvemos com os sentimentos, pensamentos e sensações como eventos mentais no campo da consciência, ao invés de se envolver neles enquanto aspectos de nosso self subjetivo. No exemplo da ligação telefônica, isto implicaria em fazer das sensações e pensamentos desagradáveis o foco da atenção enquanto eventos mentais, ao invés de incorporá-los como sendo eu (cf. Kabat-Zinn 1990, 69-70). Existe a possibilidade de que esta reorientação fundamental é um mecanismo importante através do qual mindfulness pode reduzir o sofrimento. Metade dos participantes de um estudo de Allen et al. (2009) relataram uma “nova perspectiva” diante das sensações e pensamentos depressores que pode ser sintetizada como “estes pensamentos e sensações não são ‘eu’”.
Na ICS, as lentes através das quais nós observamos (e, portanto, criamos) a experiência são encaradas como modelos mentais esquemáticos (Teasdale e Barnard 1993), padrões prototípicos de informação Implicacional que refletem aspectos recorrentes da “estrutura profunda” da experiência. Esta perspectiva sugere que se desejamos mudar nossa visão da experiência com a substituição de um par de lentes por outro dentro de nosso “estoque” de lentes já existentes, ou se desejamos criar lentes novas que removem ou atenuam percepções distorcidas, a memória de trabalho Implicacional é o local onde isto deve acontecer. Esta área de trabalho nos permite acessar modelos mentais esquemáticos existentes estocados na memória Implicacional a longo prazo para integrar e recombinar elementos de modelos Implicacionais existentes em novos padrões, e extrair novos modelos com base em “informação Implicacional fresca”, resultantes de um olhar mais esclarecido sobre aspectos básicos da experiência.
Dada nossa sugestão anterior de que é a memória de trabalho para informação Implicacional que é particularmente associada à mindfulness, a perspectiva que acabamos de apresentar sugere que mindfulness cria condições óptimas para a estratégia de intencionalmente alterar a visão como uma maneira de transformar o sofrimento. Mindfulness permite acesso à área de trabalho Implicacional nos permitindo conhecer as lentes através das quais nós estamos enxergando o mundo, mudar estas lentes e criar novas lentes. Nós podemos ilustrar estes pontos revisitando um exemplo que já consideramos.

Estado Desperto e a Segunda Nobre Verdade

No primeiro artigo nós brincamos com uma anedota – acordar preocupado pensando sobre a ideia que o sofrimento surge mais devido a nossa relação com a experiência do que devido a experiência em si mesma. Mesmo com a mente cheia de pensamentos sobre esta ideia, os pensamentos não eram eficazes em reduzir a irritação por estar acordado de madrugada. Da perspectiva da ICS, isto está de acordo com o esperado: a experiência subjetiva de “pensar a respeito” indica que a operação da memória de trabalho Proposicional, especializada no processamento de informação conceitual, era predominante. Mesmo que este “pensar a respeito” possa produzir novas ideias sobre a Segunda Nobre Verdade, estas, em si mesmas, não seriam capazes de nos liberar, simplesmente porque o nível conceitual de informação não está diretamente vinculado ao sofrimento ou à transformação do sofrimento.
Em contrapartida, a contemplação da Segunda Nobre Verdade teria criado elementos de informação Implicacional relativas ao tema de que o sofrimento reflete nossa relação com a experiência. Mas, conquanto que o “pensar”, com seu envolvimento primário com a memória de trabalho Proposicional, impede muito do envolvimento da memória de trabalho Implicacional[1], estes padrões de informação Implicacional não poderiam ter sido integrados com outras informações Implicacionais, diretamente ligadas ao sofrimento, de modo a transformar este sofrimento. No entanto, assim que o foco mudou do pensar sobre o sofrimento e sobre a insônia para a investigação consciente da experiência da irritação e aversão diante do momento, a influência primária passou a ser a da memória de trabalho Implicacional. Assim, os padrões de informação Implicacional relacionados com os temas da Segunda Nobre Verdade puderam ser integrados com padrões relacionados com a irritação e a aversão para gerar o discernimento intuitivo de que “esta aversão, aqui e agora, é o que está causando sofrimento”. E este olhar claro diante da situação, e não uma tentativa de seguir uma instrução Proposicional de “fazer” alguma coisa, conduziu muito naturalmente à liberação do apego à necessidade de se livrar da experiência de insônia.
Uma vez que a mente veja com clareza que está criando sofrimento, sua sabedoria inerente se solta do processo que cria este sofrimento da mesma forma que nós soltamos um objeto muito quente assim que registramos a dor que ele está causando. Esta nova visão, ou “lente”, que incorpora esse discernimento, tendo sido criada e utilizada, pode ser guardada enquanto um novo modelo mental esquemático na memória Implicacional à longo prazo, pronto para ser acessada quando uma situação tematicamente similar surgir no futuro. Deste modo, a base de uma transformação mais duradoura do sofrimento fica estabelecida. É dizer – na próxima vez que estivermos acordados no meio da noite, provavelmente iremos “enxergar” nossa irritação e também nossas tentativas de “consertar” nossa insônia com “aversão” ou “sofrimento” e iremos relaxar mais cedo, e, talvez, até chegue ao ponto desta reação nem mesmo surgir.

“De cima para baixo” e “de baixo para cima” 

O exemplo que acabamos de considerar envolvia o desenvolvimento de discernimento através da integração dentro da memória de trabalho Implicacional de elementos derivados “de cima para baixo” da contemplação da Segunda Nobre Verdade com elementos derivados “de baixo para cima” da investigação atenta da experiência da sensação de irritação e aversão ao momento. A mesma estratégia “de cima para baixo e de baixo para cima” para o desenvolvimento de discernimento é evidente nas instruções do próprio Buda no Satipatthana Sutta.
As práticas de mindfulness delineadas neste discurso descrevem um método através do qual, com o uso da mindfulness, novos modelos mentais esquemáticos de experiência podem ser construídos com base na informação experiencial direta, integrada com instruções e orientação. Nós somos encorajados a contemplar o corpo enquanto corpo, as sensações enquanto sensações e a mente enquanto mente, de modo a criarmos modelos pelos quais enxergamos estas experiências pelo o que elas são – experiências – e não como aspectos de um self independentemente existente – “eu” ou “meu”. Somos instruídos a ver o emergir e o cessar de todas as experiências, e as condições que se relacionam com esta emergência e cessação, de modo a criar modelos que incorporam a temática de transitoriedade em relação a condições mutáveis, e não a continuidade de entidades independentemente existentes. E nós somos instruídos a contemplar “interna e externamente”, é dizer, o modo pelo qual todos os aspectos do que experienciamos também seja experienciado pelos outros, de maneira a criar modelos de uma natureza da experiência universal no lugar das de natureza pessoal.
O modo da mente mindful, que torna disponível a área de trabalho da memória de trabalho Implicacional na qual estes novos modelos podem ser criados, apoia este processo. Nos permite, em sentido último, criar novos modelos básicos pelos quais nós vemos todas as experiências como processos, dependentes de condições, e não como reflexos de objetos e sujeitos duradouros, dotados de propriedades estáveis. Estes novos modelos relaxam a fixação à modelos já pré-estabelecidos, que incorporam a ignorância subjacente às configurações que criam e sustentam o sofrimento. Nós enxergamos o mundo de modo fresco, como se tivéssemos despertado de um sonho. Nos tornamos livres.

Conclusões e implicações 

Conforme nós concluímos considerando algumas das implicações de nossas análises é importante lembrarmos que as ideias apresentadas aqui são apenas isto – ideias – hipóteses que podem ser testadas, mas que aguardam confirmação de dados empíricos específicos. Segue-se que todas as implicações derivadas destas ideias também devem ser tratadas cuidadosamente, como possibilidades a serem investigadas adiante e não como afirmações de verdades irrefutáveis.
Nós consideramos três aspectos da maneira pela qual mindfulness pode transformar o sofrimento: mudando o que a mente está processando; mudando como a mente processa; e mudando a visão do que está sendo processado. Nós sugerimos que enquanto a primeira destas vias de mudança, baseada no aprendizado de como realocar intencionalmente o foco da atenção, é relativamente simples e direta, a segunda e a terceira via são mais sutis. Dentro da análise proposta, a razão disto é que estas vias envolvem a transformação de significados holísticos implícitos (Implicacionais).
Estas distinções têm uma série de implicações. Primeiro, elas esclarecem as maneiras pela qual mindfulness envolve mais do que simplesmente aprender a prestar atenção intencionalmente, no momento. Ainda que seja possível descrever a primeira via deste jeito, esta descrição não faz jus à segunda e a terceira via. Dentro de nossa análise, os efeitos de mindfulness através destas vias necessariamente envolvem a integração na consciência de visões, atitudes e intenções hábeis enquanto um aspecto crucial da transformação.
Também encontramos implicações para o ensino de mindfulness e treinamento e seleção de instrutores. Ainda que o ensino de habilidade de controle da atenção não exija um treino extensivo dos instrutores, o mesmo não é verdade para o ensino de mindfulness que capitaliza a segunda e a terceira via de mudança. Quando distinguimos a “mudança Proposicional” e a “mudança Implicacional”, sugerimos que a mudança Implicacional envolve a integração do “espírito” do não julgamento, da aceitação, da curiosidade afetiva, da gentileza, da compaixão etc., e não uma observância à uma série de instruções conceituais de “faça isso” ou “faça aquilo”. A corporificação destas qualidades pelo instrutor será um dos veículos mais potentes para comunicar esta “sensação” aos participantes de intervenções baseadas em mindfulness. Do mesmo modo, a mudança de visões ou modelos esquemáticos profundamente enraizados será fortemente influenciada pela sabedoria incorporada pelo instrutor. Estas são razões para selecionar e treinar instrutores em termos de sua compreensão e qualidades enquanto ser humano.
Ademais, uma compreensão da relação entre significados Proposicionais e Implicacionais poder oferecer aos instrutores de mindfulness uma ideia mais clara da maneira pela qual eles podem guiar mais gentilmente a atenção dos participantes – tanto nas sessões formais quanto, talvez ainda de forma mais potencializada, nas sessões de discussão que geralmente é seguida das práticas. O uso consciente de linguagem e significado conceitual para alertar os participantes quanto à temáticas Implicacionais pode ajudar os participantes: (1) na geração de temáticas salubres que surgem de modo mais explícito quando o momento exige; (2) a relembrar destas experiências de tempo em tempo – reconduzir o participante a momentos anteriores da sessão, por exemplo, e então ajuda-lo a manter certas temáticas vivas na sua memória de trabalho Implicacional.
A importância relativa destas três vias é passível de mudança conforme as diferentes aspirações dos praticantes. A tradição Budista integra todas as três vias em seu uso de mindfulness no Nobre Caminho Óctuplo. Isto se torna necessário quando o objetivo da prática, um tanto elevado como é o caso aqui, é a liberdade completa e definitiva de dukkha. Também parece ser o caso de que todas as três vias contribuem quando os pacientes relatam ter descoberto um novo jeito de ser, ou quando pacientes com depressão crônica relatam mudanças de visão quanto a sua relação com a depressão.
Em contrapartida, pode haver outras áreas nas quais a primeira via sozinha é suficiente. Por exemplo, pode ser suficiente oferecer à clientes e pacientes as habilidades de romper com padrões mentais auto-perpetuantes circunscritos relativamente, como quando pensamentos, emoções e sensações corporais alimentam uns aos outros em ciclos fechados.
Se formos capazes de identificar as vias para mudança que são mais relevantes à problemas em específico, conseguiremos encontrar, por exemplo, problemas que podem ser trabalhados com o treino da atenção apenas, no qual intervenções simples são oferecidas. Instrutores mais bem qualificados, escassos como são, poderiam, então, focar em clientes e pacientes que exigem uma abordagem mais exaustiva, transformando o sofrimento através de todas as vias descritas.
Por fim, a nossa distinção entre mudança Proposicional e Implicacional, e a hipótese de que a mudança Implicacional é mais importante, reforça a mensagem dos ensinamentos Budistas tradicionais: a transformação do sofrimento surge como um resultado da mudança das condições que o criam e sustentam, e não da realização de qualquer coisa por um esforço de vontade.

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[1] Na estrutura ICS apenas um tipo de memória de trabalho pode ser “dominante” por vez.

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