Deprecated: strpos(): Passing null to parameter #1 ($haystack) of type string is deprecated in /home1/cien1832/public_html/wp-includes/functions.php on line 7241

Deprecated: str_replace(): Passing null to parameter #3 ($subject) of type array|string is deprecated in /home1/cien1832/public_html/wp-includes/functions.php on line 2187

Deprecated: Optional parameter $list declared before required parameter $submit_text is implicitly treated as a required parameter in /home1/cien1832/public_html/wp-content/plugins/yikes-inc-easy-mailchimp-extender/public/helpers.php on line 14

Deprecated: version_compare(): Passing null to parameter #2 ($version2) of type string is deprecated in /home1/cien1832/public_html/wp-content/plugins/elementor/core/experiments/manager.php on line 166
TERAPIA COGNITIVA BASEADA EM MINDFULNESS – Melanie Fennel e Zindel Segal - Ciência Contemplativa

TERAPIA COGNITIVA BASEADA EM MINDFULNESS – Melanie Fennel e Zindel Segal

CHOQUE DE CULTURAS OU FUSÃO CRIATIVA?

Melanie Fennel & Zindel Segal

 Resumo.
          A terapia cognitiva baseada em mindfulness cria uma parceria improvável entre a clássica tradição de meditação mindfulness, enraizada no pensamento Budista, e a mais recente, e essencialmente ocidental, tradição de ciência cognitiva clínica. Este artigo investiga pontos de congruência entre estas duas tradições e conclui que, apesar das primeiras impressões, esta é uma parceria frutífera que pode se consolidar de modo perene.

“Então, onde está a parte cognitiva?”

          Em Oxford, nós oferecemos cursos de oito semanas de terapia cognitiva baseada em mindfulness [mindful-based cognitive therapy; MBCT] à profissionais da saúde e educação. A experiência dos participantes em meditação mindfulness varia muito, assim como sua familiaridade com terapia cognitiva. A pergunta que abre esta sessão captura a curiosidade de um participante com um longo histórico de prática de meditação Zen no fim de um destes cursos.

          A terapia cognitiva baseada em mindfulness (Segal, Williams e Teasdale 2002) representa um casamento de duas culturas ou tradições muito diferentes: a tradição de 2500 anos de meditação mindfulness do Budismo, e a muito mais recente tradição Ocidental de ciência cognitiva clínica. Como em qualquer encontro de culturas, é preciso nutrir uma apreciação e respeito mútuos – apreciação das perspectivas partilhadas e da humanidade comum e respeito pelas diferenças genuínas. Porém, por vezes a suspeita contamina a sensação de interesses compartilhados e as diferenças parecem ser irreconciliáveis. Será que estes improváveis parceiros tem o suficiente em comum para sustentar uma harmonia continuada e crescente entre si? Ou será que este relacionamento terminará em divórcio?

          À primeira vista, a meditação mindfulness e a ciência psicológica ocidental aparentam ter pouco em comum. Como duas culturas, vastamente separadas em tempo e espaço, podem ter algo de útil para dizer uma para a outra? Aqueles que se aproximaram da MBCT a partir do Budismo ou da meditação vipassana expressam dúvidas quanto a pertinência deste casamento, assim como aqueles que descobriram mindfulness a partir da terapia cognitiva (cognitive therapy; CT). Estas dúvidas refletem preocupações legítimas: que a integração das duas pode acabar desnaturando ambas, e algo essencial pode se perder. No campo da CT, a preocupação é que as elaboradas fundações teóricas da CT, juntamente com sua rigorosa ênfase em validação empírica, possam se perder. A comunidade científica, que exige que intervenções clínicas sejam sempre baseadas em evidências, suspeita que o Budismo está sendo introduzido no contexto secular pela porta dos fundos, e pode mesmo associar a meditação às duvidosas práticas do New Age (o fato de que respeitados cientistas clínicos desenvolveram a MBCT mitigou um pouco esta preocupação). Entre os praticantes de mindfulness, a preocupação maior é diante de um outro tipo de perda, passível de acontecer com a colocação da prática sob as frias lentes de um microscópio de pesquisa: perda do coração e espírito da abordagem, de suas profundas fundações éticas e espirituais, e da centralidade da aceitação, gentileza e compaixão. Ademais, ambas as culturas estão compreensivelmente (e muitas vezes justificadamente) preocupadas com a possibilidade de praticantes sem uma compreensão mais profunda destas tradições promovam simulacros de práticas meditativas e exercícios de CT, ou introduzam inovações sem sentido, pela suas falhas em reconhecer as intenções, objetivos e estrutura conceitual destas tradições.

          Como é possível então que um praticante Zen fizesse a pergunta que abriu nosso artigo? Os fundadores da MBCT, bebendo da fonte do trabalho seminal de Jon Kabat-Zinn (Kabat-Zinn 1990), reconheceram as semelhanças entre mindfulness e CT, e participaram de um treino relativamente intenso de meditação mindfulness com base em uma estrutura conceitual cognitivo-comportamental com o objetivo de abordar a questão da recaída depressiva. Neste artigo nós vamos explorar a relação entre estes dois parceiros, identificando pontos de congruência e diferenças entre eles. Nós escrevemos enquanto pesquisadoras clínicas que se aproximaram da MBCT de um contexto de ciência cognitiva clínica, e convidamos os leitores a julgarem por si próprios se este casamento está fundamentado em uma base sólida, ou se as disparidades entre os parceiros é tal que a separação será inevitavelmente necessária em algum momento.

 

O que é a terapia cognitiva baseada em mindfulness? Uma breve retomada

          A evolução da MBCT enquanto uma abordagem para depressão recorrente está economicamente sumarizada nos capítulos iniciais de Segal, Williams e Teasdale (2002). A prática foi estimulada pelo reconhecimento crescente de que a depressão é um fenômeno recorrente; sua probabilidade de ressurgir no futuro cresce a cada episódio. Os autores sugeriram que, com a recorrência, os elos entre o humor depressivo e outros sintomas (mudanças no estado cognitivo, comportamental e físico) ficam mais fortes. Eventualmente mesmo uma pequena “dose” de mal humor pode ativar padrões de pensamentos já ensaiados e consolidados que podem, se não interrompidos, espiralar em uma depressão de intensidade clínica. O humor depressivo conduz à ruminações sombrias e pessimistas que o reforçam e o aprofundam, encorajando o isolamento de outras pessoas e atividades que poderiam, em outras circunstâncias, oferecer uma sensação de prazer e realização. Portanto, a pessoa depressiva fica presa em um ciclo vicioso: humor, pensamento e comportamento alimentam uns aos outros.

          A intenção central da MBCT é reduzir a probabilidade de recaída. Os pacientes aprendem a identificar os sinais iniciais da mudança de humor e a reagir diferente, não tomando refúgio na ansiedade e na rejeição, nem sendo capturados pela ruminação e análise. O programa, baseado intimamente na redução de estresse com base em mindfulness (mindfulness-based stress reduction; MBSR; Kabat-Zinn 1990) de Jon Kabat Zinn é geralmente oferecido à grupos de 10 a 12 pessoas em oito classes semanais de duas horas. A prática independente em casa é fortemente enfatizada (até uma hora, seis dias por semana). Pode haver a inclusão de um dia exclusivo de prática silenciosa, e até quatro sessões adicionais podem ser oferecidas. O curso integra meditação mindfulness com elementos retirados da CT para depressão (a natureza da depressão, o papel do pensamento negativo, o impacto no humor de atividades nutritivas e exaustivas, e a prevenção de recaída). A efetividade da MBCT em pacientes que experienciaram três ou mais episódios de depressão, é agora apoiada por rigorosos experimentos controlados (Godfrin e van Heeringen 2010; Kuyken et al. 2008; Ma e Teasdale 2004; Teasdale et al. 2000; Segal et al. 2010). Estes experimentos demonstram que a MBCT reduz a probabilidade de recaída no ano seguinte ao tratamento (o período mais vulnerável) em até 50% comparado com o tratamento comum. Contrários as expectativas inicias, dados preliminares promissores (a serem confirmados por experimentos em larga escala) sugerem que a MBCT também pode ser útil para pacientes em situação de depressão ativa (Barnhofer et al. 2009; Eisendrath et al. 2008; Kenny e Williams 2008).

 

O que é a terapia cognitiva?

          Os elementos cognitivos da MBCT podem parecer simples, mesmo triviais, para os praticantes não familiarizados com seu contexto teórico. No entanto, assim como as meditações incluídas na MBCT refletem apenas uma pequena parte da prática Budista, estes exercícios são apenas a ponta de um grande iceberg, que iremos explorar a partir de agora.

          Nós iremos focar na CT desenvolvida no meio do século vinte por Aaron T. Beck (Beck et al. 1979). Beck, um psicanalista de formação, ficou intrigado com os padrões de pensamentos perturbadores que se manifestavam de modo evidente nas sessões de terapia, no limiar do estado de consciência do paciente, e, portanto, acessíveis à introspecção (Beck 1976, 4). Estas observações iniciais cresceram até tomar a forma de uma abordagem terapêutica sistemática, inicialmente desenvolvida especificamente para pessoas com depressão (como a MBCT). Beck não enxergava nenhuma descontinuidade entre os processos mentais de pessoas depressivas e de seres humanos em geral; todos nós extraímos o melhor sentido possível de nossas experiências, geralmente com base em informações incompletas e influenciados por nosso contexto imediato e histórico de aprendizado. Portanto, a teoria subjacente à CT não é puramente uma teoria da depressão, ou ainda uma patologia, mas uma estrutura de compreensão de como os seres humanos operam em sentido amplo. Sendo assim, foi possível adaptar a CT voltada para depressão em diversas outras condições, de problemas de saúde mental mais comuns como a ansiedade e os distúrbios alimentares até dificuldades específicas, tais quais doenças mentais severas e problemas físicos como doenças e dores crônicas.

CT e depressão

O modelo cognitivo de Beck

          O primeiro resultado de experimento de CT para depressão foi publicado em 1977 (Rush et al. 1977). Um manual de tratamento surgiu logo em seguida (Beck et al. 1979). Uma base extensa de evidências atualmente ampara a eficácia da CT em depressões de nível moderado a severo, tanto no pós-tratamento como a longo prazo (Derubeis et al. 2005; Hollon, Stewart e Strunk 2005; Hollon et al. 2005). Portanto, a MBCT, ao invés de preencher uma lacuna da CT, se fundou em seu sucesso na redução da probabilidade de recaídas e recidivas depressivas. MBCT foi uma tentativa de capturar elementos importantes da CT que podem ser ensinados à pessoas quando elas estão em boas condições, de modo a prevenir novos episódios de depressão.

          O modelo de Beck (exemplificado em um caso ilustrativo na Figura 1) sugere que, com base na experiência prévia, as pessoas chegam a certas conclusões sobre si mesmas, outros e o mundo (‘esquemas’ ou ‘crenças nucleares’). Assumindo estas conclusões como verdade, elas desenvolvem diretrizes pessoais que as orientam quanto ao que elas devem fazer e devem ser para se considerarem seres humanos dignos, gerar e sustentar relações e prosperar na vida (“presunções disfuncionais”). Contanto que elas consigam atender estas presunções, tudo estará bem. Mas se as circunstâncias conspirarem contra elas, problemas surgirão. A falha na performance, no agradar dos outros, ou na manutenção do controle – o que quer que as presunções exijam – é vista como evidência de limitações inatas que irão afetar também o futuro. Portanto, o significado de um evento (e não o evento em si mesmo) ativa uma progressiva queda de humor, desdobra em mais pensamentos negativos e aumenta a instabilidade de pensamentos, emoções, comportamentos e sensações físicas. A ideia de “reatividade cognitiva” (Lau, Segal e Williams 2004; Segal, Gemar e Williams 1999) sugere que, em uma pessoa que sofre episódios continuados de depressão, a tristeza normal e outros sintomas possíveis (fadiga, irritabilidade) podem ativar esta sequência. Ao invés de serem percebidos como parte da condição humana, elas se tornam carregadas de significado negativo.

          Beck chamou esta problemática operação de pensamento instantâneo presente na depressão de “pensamentos negativos automáticos” (Westbrook, Kennerley e Kirk 2007, 7-8). O “negativo” indica uma associação com emoções desagradáveis, e o “automático” indica que estes pensamentos simplesmente brotam na cabeça das pessoas, ao invés de ser um produto de uma reflexão consciente. Beck sugere que o pensamento depressivo é caracterizado por pensamentos negativos automáticos sobre si mesmo, o mundo e o futuro. Estes pensamentos resultam de vieses de processamento (por exemplo, conclusões precipitadas, autocensura automática) que inclinam a percepção, interpretação e memória na direção daquilo que é sombrio e pessimista. Informações contrárias à estas suposições são filtradas, ignoradas ou desconsideradas. O resultado é uma visão obscura que reforça o humor depressivo, suga a motivação e a energia e mina a autoestima – o ciclo vicioso mencionado anteriormente.

CT para depressão

          A CT é caracterizada por três elementos essenciais: uma estrutura teórica coerente; uma aliança terapêutica colaborativa; e uma ênfase na investigação empírica. Consideremos uma de cada vez.

Figura 1
O modelo cognitivo de depressão de Beck

 

          Estrutura teórica coerente. O modelo cognitivo forma o núcleo da terapia, e é a estrutura pra formulações de casos individuais (ver figura 1) que ajudam os pacientes a mapear o desenvolvimento e a persistência de suas dificuldades, e a guiar a seleção e a sequência das intervenções. A avaliação exaustiva ajuda o paciente e o terapeuta a compreender o que criou a vulnerabilidade que permitiu a depressão em algum momento, como a depressão se desenvolveu até este momento, e que fatores psicológicos e ambientais estão impedindo a recuperação agora. O modelo indica como facilitar a recuperação e reduzir as chances de recaída. A quebra de ciclos viciosos que mantém a depressão é a primeira prioridade, e não compreender o passado. Nas primeiras sessões, os pensamentos negativos de momento a momento que impedem as pessoas de se envolver novamente com atividades prazerosas e gratificantes são abordados. Os pacientes mantêm diários estruturados, registrando como gastam seu tempo e a satisfação que obtém de suas atividades, e então usam esta informação para iniciar as mudanças – aumentando o envolvimento em atividades que trazem alegria e uma sensação de domínio. Neste processo, os pacientes aprendem a identificar pensamentos sabotadores (“não tem sentido em fazer isso”; “eu não vou gostar”). Com a orientação do terapeuta, eles começam a investigar o quão legítimos e úteis são estes pensamentos. Conforme o humor se eleva, o foco se amplia para uma gama maior de pensamentos perturbadores. Através da auto-observação sistemática, utilizando uma vez mais registros escritos, os pacientes aprendem a questionar os seus pensamentos, ao invés de assumi-los como uma verdade, e descobrem pela experiência direta se eles são ou não válidos (“experimentos comportamentais”; Bennett-Levy et al. 2004). Conforme estas habilidades se estabelecem, e o humor continua a se elevar, o tratamento passa a focar nas atitudes mais gerais (critérios de qualidades excessivamente severos, crenças negativas sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o futuro) que criam a vulnerabilidade continuada à depressão. Por fim, os pacientes sumarizam seu aprendizado em um “diagrama para o futuro”, planejando como irão responder habilmente aos gatilhos da depressão.

          Aliança terapêutica. Beck, desde o princípio, caracterizou a CT como uma terapia humanizada e enfatizou a centralidade da relação terapêutica entre o terapeuta e o paciente. Um terapeuta que incorpora as qualidades clássicas de empatia exata, aceitação incondicional, calidez e autenticidade cria um contexto seguro no qual se estabelece confiança e a mudança se torna possível. Conforme instrutores de mindfulness incorporam aceitação e compaixão, os terapeutas de CT modelam (uma palavra mais amena) a postura que encorajam os pacientes a adotar diante de si mesmos: de um interesse sem julgamentos, curiosidade e abertura de mente. Na CT, a aliança é vista como necessária, mas não suficiente para um resultado favorável: ela facilita a transmissão do efeito de intervenções cognitivo-comportamentais, mas não é em si mesma o veículo principal da transformação.

          Central na relação é a ideia de “colaboração”. Terapeuta e paciente trabalham como um time investigativo, explorando a natureza da experiência, e buscando por novas perspectivas que são mais realistas (livres de vieses advindos de crenças e presunções antigas), portanto mais benéficas. A terapia é tanto ativa como interativa, com um sentido de partilha de expertise e conhecimento, e uma transparência quanto a teoria e quanto à quais intervenções podem ser úteis e porquê. Esta ênfase na transferência de conhecimento e habilidades reflete a intenção do terapeuta de ajudar os pacientes a usar seu aprendizado de maneira independente – em outras palavras, a intenção do terapeuta de tornar a si mesmo redundante e não mais necessário. É por este motivo que o tratamento inclui “deveres de casa” entre as sessões.

          Ênfase na investigação empírica. Da mesma forma que a CT progrediu através de pesquisa e investigação, os pacientes não aprendem simplesmente através do diálogo – eles se investem em exames empíricos de seus próprios padrões de pensamentos. Na primeira sessão os pacientes já são introduzidos à essência do modelo cognitivo (a cognição influencia a emoção, as sensações de corpo e o comportamento), e à lógica do tratamento (tornar-se consciente de padrões de pensamentos perturbadores quando eles acontecem e do que torna possível a sua modificação, e, portanto, transformação das sensações e ações). Os pacientes são convidados a enxergar suas ideias como hipóteses, que podem ser questionadas e testadas através da experiência, e não como reflexos de uma verdade objetiva. A terapia se torna uma investigação extensiva e em parceria desta ideia.

 

CT: um olhar mais amplo

          Nos últimos 35 anos, a CT se expandiu radicalmente e agora é um tratamento psicológico indicado para uma vasta gama de problemas de saúde mental e física. De modo análogo, modelos cognitivo-comportamentais e protocolos de tratamento específicos foram desenvolvidos, refinando a compreensão dos padrões de pensamento e comportamento exatos que criam vulnerabilidade à diferentes condições e permitem sua persistência, e demonstrando a força clínica de abordar estes padrões com exatidão. Esta especificidade prática e teórica está refletida na intencionalidade direta do MBCT para casos de recaída depressiva, e implica que os elementos de CT do protocolo de tratamento descrito por Segal, Williams e Teasdale (2002) irão provavelmente exigir uma modificação se quisermos aplicar de maneira bem-sucedida este método em outras dificuldades psicológicas, onde as vulnerabilidades e fatores de sustentação são diferentes daqueles presentes na depressão.

CT e mindfulness: pontos de diferença

      Vamos, então, explorar as diferenças e semelhanças entre CT e intervenções baseadas em mindfulness (mindfulness-based interventions; MBIs) com mais detalhes.

Contribuições para a MBCT

          CT e meditação mindfulness oferecem diferentes contribuições para a MBCT. Da MBSR, a MBCT adota a mindfulness diante da respiração, do corpo em quietude e em movimento, da atividade mental, das atividades cotidianas (alimentação, atividades de rotina, audição, experiências agradáveis e desagradáveis), e um espírito de compaixão e aceitação. Também inclui (sessões 5-7) meditações convidando os participantes à permanecer em contato com experiências difíceis que surgem e, se nenhuma se apresentar, convida-las à consciência. Ao invés de recuar ou se ver capturado pelo “pensar” sobre a dificuldade, os participantes praticam a exploração desta dificuldade no corpo, com uma atitude de curiosidade e compaixão. Da CT, a MBCT adota a estrutura conceitual descrita acima, os elementos experienciais os quais também são partes da CT (ainda que de forma diferente, por exemplo, explorar a relação entre pensamentos e emoções), e a ênfase na avaliação empírica.

          Os elementos CT na MBCT são frequentemente considerados didáticos, implicando em uma mudança de mecanismo nos instrutores: da incorporação da atenção plena para o modo de ensino (o mesmo talvez seja verdade para os elementos educacionais da MBSR – os nove pontos, reação de estresse/resposta e assim por diante). É certo que estes exercícios têm uma função educacional (por exemplo, aprender como a depressão funciona) e um quadro branco e pincéis podem ser úteis para sumarizar informação colhida dos participantes, esboçar fluxogramas etc. No entanto, para encorajar autonomia nos participantes, estes elementos são melhor ensinados de modo interativo. É dizer, pontos chave do aprendizado emergem de modo mais bem-sucedido a partir das reflexões dos participantes em relação aos exercícios, e não da boca dos professores, cuja principal função não é explicar, mas validar a experiência, facilitar a consciência sobre si mesmo, guiar a descoberta, sublinhar e sumarizar. Este também é precisamente o papel de um terapeuta cognitivo habilidoso.

Formulação de caso individual

          CT é terapia com base em formulação (Butler, Fennel e Hackman 2008, capítulo 3), na qual a compreensão e tratamento de um paciente individual é formatada por um modelo teórico específico de distúrbio emocional, investigado e testado através da pesquisa experimental e clínica. A formulação de caso transforma a estrutura profunda do modelo cognitivo da depressão, aplicável à milhares de pessoas, em um mapa exclusivo à experiência pessoal de uma pessoa em específico. Portanto, nas mãos de um terapeuta habilidoso, a CT reflete modelos padronizados e protocolos de tratamento, mas sem ser formulaica ou mecânica. Nunca duas formulações de caso ou dois tratamentos são iguais.

          O treinamento em CT, portanto, requer compreensão dos princípios clínicos e teóricos, e das bases de evidências emergentes e existentes. Isto motiva a prática ética, dá coerência à terapia e garante que o tratamento seja precisamente direcionado, de modo eficiente e direto, aos problemas dos pacientes e aos objetivos almejados. Sem esta base, os terapeutas podem se dispersar, seduzidos pela última novidade no desenvolvimento do tratamento, independentemente da sua real utilidade (Waller 2009). Isto não quer dizer que a CT é fechada para inovações; ao contrário, ela não teria sobrevivido e evoluído sem explorar novos territórios e testar métodos inovadores de tratamentos – incluindo, é claro, a MBCT. No entanto, as raízes científicas da CT e seus imperativos de responsabilidade clínica demandam que a criatividade seja ponderada com rigor e com uma avaliação crítica do impacto da potencial inovação.

          Na MBCT, o equilíbrio entre o idiossincrático e o genérico é diferente. Entrevistas pré-aulas oferecem oportunidades de desenvolver uma compreensão compartilhada da experiência do paciente, mas raramente são tão espaçosas e detalhadas como a avaliação no CBT [cognitive behavioural therapy] pessoal, de um para um. Portanto, o foco não é tanto o que é único a cada pessoa (ainda que isto emerja e seja explorado, sessão por sessão, através da investigação), mas mais no que os participantes têm em comum (por exemplo, os processos de interpretação equivocada, rejeição e elaboração mental) (Williams 2008). Estes processos transdiagnósticos (por assim dizer, universais) nos permitem trabalhar de maneira eficaz com grupos de pessoas que têm os mesmos diagnósticos, mas diferentes experiências de vida, ou diferentes diagnósticos, ou mesmo nenhum diagnóstico. O equilíbrio entre o partilhado e o singular, no entanto, é mais um produto da formatação da aula do que necessariamente inerente às intervenções baseadas em mindfulness. Um equilíbrio similar talvez seja evidente em CT de grupo, e a MBCT oferecida na psicoterapia individual poderia (como a CT individual) fazer uso de avaliações e formulações enquanto fundações para um trabalho pessoal mais focado.

Orientação para objetivos

          CT entende que as pessoas procuram terapia porque elas desejam que as coisas sejam diferentes, e oferece meios efetivos de realizar esta mudança. CT foi intencionalmente desenvolvida para “consertar” as coisas, e o faz muito bem. Esta talvez seja a transição mais difícil de fazer para os terapeutas cognitivos aprendendo a MBCT: voluntariamente se posicionar no sentido de “não consertar” nada pode parecer inútil no início, especialmente sabendo que poderia se fazer algo diferente, mas igualmente válido.

          CT tem uma proposta de mudança ativa. Durante a avaliação, a identificação de problemas leva à definição de objetivos, através de questões como: “como você gostaria que este problema mudasse no fim do tratamento?”; “o que seria necessário para que você considerasse a terapia um sucesso?”; “Como podemos saber se houve êxito?”; a ênfase em objetivos definidos implica em uma ênfase paralela em avaliação de resultados – os objetivos foram ou não alcançados? A terapia deu certo ou errado? Estes aspectos são proeminentes, tanto nas intervenções baseadas em mindfulness como na CT, em contextos de pesquisa e saúde pública, nos quais a eficiência diante dos custos é uma questão relevante, e a avaliação e mensuração de rendimentos do trabalho são medidas comuns. Esta mesma intenção também influencia a estrutura da sessão; diferente de outras formas de psicoterapia, cada sessão de CT inicia com o terapeuta e o paciente chegando a um acordo quanto à um “programa”, sintetizando aquilo que eles desejam abordar naquele dia. A sessões são estruturadas de modo que o programa seja cumprido. Alguns itens padrão geralmente compõem o programa: uma checagem de humor; feedback da última sessão; uma revisão das tarefas de casa; a aplicação de uma nova tarefa de casa; um sumário do aprendizado; e feedback da sessão recém-concluída. Isto quer dizer que a CT geralmente tem uma sensação mais de “arregaçar as mangas e pôr a mão na massa”. Nas mãos de um terapeuta pouco habilidoso, isto pode se converter em inflexibilidade e urgência. Terapeutas habilidosos, em contrapartida, equilibram o desejo de trabalhar produtivamente na direção combinada com sensibilidade, calidez e disposição de ser flexível e compreensivo. Para os pacientes, isto oferece uma sensação tanto de empoderamento como de acolhimento.

          Em contrapartida, intervenções baseadas em mindfulness explicitamente desencorajam o apego a resultados pré-definidos, e encorajam uma abertura diante do desdobramento das coisas em seu próprio tempo e uma tolerância à um estado mental de incerteza. Entretanto, habita aqui um tipo de paradoxo. No âmbito da saúde, pelo menos, as pessoas sem dúvida vão às aulas porque estão sofrendo e aspiram melhorar – e, presumivelmente, terapeutas/instrutores não iriam oferecer as aulas se não acreditassem que isto é possível. Portanto, não é totalmente exato dizer que as intervenções baseadas em mindfulness não têm objetivos. O que acontece é que os instrutores se engajam no que parece ser uma encenação paradoxal voltada à harmonização: de um lado, aceitando e validando a aspiração compreensível por liberdade do sofrimento – e mesmo estabelecendo objetivos que o cliente gostaria de realizar – e do outro lado, encorajando a si mesmos e os participantes a permitir que os resultados desejados se dissolvam em segundo plano, e que haja abertura à experiência emergente, seja ela qual for.

          O pensamento ao estilo “Já chegamos?” não ajuda nem a CT nem as MBIs porque resultam em uma constante tomada de temperatura emocional que torna difícil, se não impossível, preservar uma atitude de abertura mental, curiosidade, amabilidade e aceitação perante toda experiência não obstante o quão desagradável, e uma disposição ao experimento, necessária ao aprendizado.

Diferentes metodologias

          A CT faz uso de um extenso repertório de métodos de tratamento destinados a ajudar os pacientes a descobrir que está em seu poder mudar como eles pensam e agem e que, se eles o fizerem, transformação emocional e resolução de problemas irão acontecer. A auto-observação cuidadosa permite que sequências problemáticas de pensamentos, sensações e comportamentos sejam identificadas com alguma exatidão. Tal discernimento cria uma fundação para um processo sistemático de investigação e exploração, através do qual os pacientes aprendem a questionar seus pensamentos (ao invés de simplesmente assumi-los como verdades) e buscar por alternativas mais realistas e saudáveis, para então testa-las na vida cotidiana. Portanto, mudanças na CT surgem da atenção cuidadosa ao detalhe de experiências específicas do dia-a-dia, muitas vezes guiadas por planilhas de trabalho que ajudam os pacientes a seguir sistematicamente uma sequência de passos, ao invés de se ver perdido em estresse e confusão. O processo é uma empreitada colaborativa, com terapeuta e paciente trabalhando em conjunto para encontrar um caminho adiante. Novas habilidades são estabelecidas em cada sessão e praticadas independentemente entre as sessões. Com o tempo, a prática repetida conduz à compreensões inéditas e mais amplas, por exemplo: “a mudança é possível”. Assim, esperança é cultivada e uma nova relação com velhos hábitos de pensamento surge.

          Em intervenções baseadas em mindfulness, a prática de meditação mindfulness intensiva é encarada como um veículo para estimular o discernimento e uma perspectiva mais ampla e espaçosa. Através de uma sequência de práticas, os pacientes aprendem a refinar sua consciência perante os pensamentos, emoções e sensações corporais e adquirir uma capacidade de enxergar claramente sem se envolver excessivamente com elas ou tentar evita-las, com uma postura gentil de curiosidade e aceitação. Portanto, ainda que o resultado (uma perspectiva descentralizada) seja mais ou menos semelhante em ambas as abordagens, a via até este resultado é diferente.

Diferentes linguagens 

          Terapeutas de outras tradições as vezes consideram a linguagem da CT um tanto engessada e militarizada. Programas voltados para depressão, por exemplo, têm títulos como “vença a tristeza” e “derrote a depressão”. A implicação pode ser de que tal estado psicológico é indesejável e precisa ser eliminado – como um “controle de pragas” na psiquê. E, de fato, o sucesso da CT é geralmente mensurado em termos de melhora e recuperação de estados problemáticos. Contudo, esta linguagem muitas vezes combativa, ainda que refletindo parte do posicionamento ativo da CT de resolução de problemas, facilmente gera uma caricatura do método e perde de vista a sua calidez e humanidade, a relação terapêutica saudável que lhe dá base, e a atmosfera de exploração e descoberta que a caracteriza em seu máximo potencial. Como observamos acima, o modelo cognitivo prevê uma continuidade entre o funcionamento saudável e o problemático:

Problemas psicológicos não são necessariamente fruto de forças misteriosas e impenetráveis, mas podem resultar de processos triviais como dificuldade de aprendizado, inferências incorretas com base em informação incorreta ou inadequada, e a não distinção precisa entre imaginação e realidade. (Beck et al. 1979, 19-20)

A CT, portanto, se conecta facilmente com a experiência da vida cotidiana. Ela encoraja o terapeuta a reconhecer a humanidade comum que ele partilha com seus pacientes, e permite à eles tocar em assuntos que surgem na terapia (incluindo a ativação de suas próprias crenças e presunções insalubres) usando exatamente a mesma estrutura conceitual e métodos de tratamento.

Não obstante, a ênfase em transformação presente na linguagem da CT de fato sugere um processo um tanto diferente do reconhecimento e da aceitação conscientes de experiências desagradáveis e de sofrimento como parte da condição humana, e o que é necessário é a capacidade de testemunhar sua presença sem avidez ou aversão, e com um espírito de compaixão.

Diferentes trajetórias de treinamento

Intervenções baseadas em mindfulness geralmente são constituídas de um programa delimitado em um período de tempo fechado (8 a 12 semanas, com possíveis aulas extras de aprofundamento no curso de 6 a 12 meses). Isto totaliza entre 16 e 32 horas, mais em torno de 36 horas de prática em casa – uma gota em um oceano se comparado com o treino em meditação em outros contextos, que podem continuar no decorrer de anos. A experiência dos instrutores varia. Alguns têm uma longa prática pessoal (incluindo experiência de retiro prolongado) já antes de começar a ensinar. Outros têm muito menos experiência, e aprendem a ensinar com a estabilização de sua própria prática meditativa, seguindo, então, uma trajetória cuidadosamente estruturada e supervisionada por um instrutor mais experiente ou um programa de treinamento e aprofundamento em um centro reconhecido, e em ambos os casos há a supervisão regular, treinamento adicional, contato com outros professores, prática pessoal continuada e frequência em retiros.

              Dos terapeutas de CT também é exigido o treino de especialização formal, geralmente seguido da conclusão da qualificação universitária (em psiquiatria ou psicologia clínica). Para vinculação em instituições profissionais, desenvolvimento da profissão e supervisão continuada também são exigidos. No entanto, não há um equivalente direto à prática de meditação mindfulness por toda a vida. Alguns países europeus determinam que os psicoterapeutas atravessem sua própria terapia pessoal como parte de seu treinamento; em relação à CT, o Reino Unido, o Canada e os Estados Unidos (por exemplo) não têm esse tipo de exigência. Mesmo destes terapeutas que incluem como parte de seu treinamento a sua própria terapia, ou aqueles que fazem terapia por interesse pessoal, não se esperaria que continuassem suas sessões indefinidamente. Isto ilustra a hipótese da CT que experiências de transformação duradouras são possíveis dentre de um prazo limitado e que, uma vez que os objetivos definidos sejam atingidos, não há necessidade para trabalhar mais.

              Segue-se daí uma questão ainda largamente inexplorada: quanto conhecimento de CT e de sua teoria subjacente é necessário  aos instrutores de MBCT que se aproximaram da MBCT oriundos de outras abordagens de intervenções baseadas em mindfulness ou tradições psicoterapêuticas? Se um terapeuta cognitivo desejasse oferecer aulas de MBCT com base na leitura de um manual e talvez a presença em um workshop de fim de semana, a comunidade de mindfulness certamente iria torcer o nariz – e com razão. Isto não é uma prática ética, e não é consistente com a essência da abordagem. Então, não seria o caso de ser necessário o mesmo respeito com os elementos de CT na MBCT?

              É claro que, uma vez que não é o objetivo dos instrutores de MBCT conduzir CT, eles não precisam se tornar terapeutas cognitivos. No entanto, o que Beck disse sobre se tornar um terapeuta cognitivo também pode ser aplicável aqui: “não acreditamos que seja possível aplicar a terapia com eficiência sem conhecimento da teoria” (Beck et al. 1979, 4). Portanto, assim como instrutores de MBCT precisam ter uma compreensão aprofundada dos princípios e prática da meditação mindfulness, também pode ser muito útil aos participantes que estes instrutores tenham uma base sólida da teoria da CT quanto ao desenvolvimento e a persistência das perturbações. Ademais, assim como tornar-se um instrutor de mindfulness depende da experiência pessoal com a meditação mindfulness, o aprendizado sobre a CT pode incluir um elemento experiencial ao invés de ser puramente verbal/conceitual: auto-observação sistemática, autorreflexão, e oportunidades de usar esta abordagem para explorar questões pessoais e experimentar com a mudança. Isto pode ser especialmente importante para instrutores planejando alterar os elementos do programa derivados da teoria e pesquisa em CT para adaptar suas abordagens à novas populações de clientes nas quais as vulnerabilidades e fatores que as preservam podem ser diferentes, e para o treino de novos professores. Exatamente quanto conhecimento e habilidade são necessários, quanto tempo isto pode levar, e precisamente quando isto deve ser feito, são questões ainda abertas à investigação e ao debate.

CT e mindfulness: pontos de congruência 

          Conforme delineamos as diferenças entre CT e MBIs, os leitores estão justificados se se perguntaram como a união entre ambas pode ser viável. De fato, estas parceiras improváveis têm muito em comum.

Uma intenção comum

          A intenção fundamental de ambas as abordagens, não obstante sua estrutura conceitual e metodologias distintas, é entender e aliviar o sofrimento. Portanto, o não-julgamento, a compaixão e um movimento na direção da observação clara são centrais para ambas. No entanto, dentro da tradição budista, da qual tem origem a meditação mindfulness, a intenção é muito mais abrangente: liberação, inclusive da experiência de alegria. Na CT, o alívio do sofrimento em um sentido mais terapêutico é a principal raison d’être.

Um mapa da mente e uma ferramenta de investigação

          De suas diferentes perspectivas, ambas as abordagens oferecem mapas do sistema de mente-corpo humano, juntamente com sofisticadas ferramentas de investigação – a prática de meditação mindfulness de um lado, e a auto-observação sistemática de outro.

Como a perturbação persistente é compreendida

          Ambas as abordagens, dentro de seus ângulos particulares, veem as raízes da perturbação humana persistente em termos mais ou menos semelhantes (ainda que não idênticos). Ambas frisam a importância do papel dos velhos padrões de hábito, muitas aprendidas através da experiência e atividades pelas circunstâncias vigentes (causas e condições). Ambas consideram o processamento inconsciente automático (“pensamento impensado”; Beck et al. 1979, 5) e a identificação com os pensamentos (perder-se em subjetividade) como favoráveis à perturbação. Igualmente, as duas sublinham o papel dos filtros e vieses mentais na percepção e na interpretação, e como estes elementos aumentam o sofrimento na inevitável dor e adversidade vindouras. Ambas reconhecem as dificuldades inerentes ao apego (na CT, em relação ao abuso de substâncias, por exemplo, e a nível mais sutil nas presunções que insistem que a pessoa, outros ou a vida tem que ser de um determinado jeito), e à aversão (da perspectiva da CT, por exemplo, com o incremento da dor que vem com o desejo por sua cessação, e a clausura e rejeição associadas à ansiedade e à depressão). Ambas dão grande importância à elaboração mental (papañca na tradição Budista; ruminação e preocupação na CT). As duas fazem uma distinção entre dor (perturbação física ou emocional) e sofrimento (uma avaliação negativa da dor do que a casou, seguida de reações insalubres como elaboração ou rejeição). Talvez estas similitudes reflitam o fato de que ambas são baseadas na observação minuciosa das mesmas mentes humanas.

O essencial momento presente

          Ambas as tradições recomendam o foco no momento presente, ao invés do foco no passado. A CT clássica e novos protocolos baseados em evidências concentram-se predominantemente no pensamento e comportamento que está sustentando velhas crenças e presunções no momento presente, implicando que os problemas são mais eficaz e eficientemente resolvidos através da quebra com estes ciclos viciosos, e não com a investigação de suas origens. Na intervenção baseada em mindfulness, o momento presente é reconhecido como o único ponto no qual a consciência pode ser cultivada e a transformação é possível – a única possibilidade de estar genuinamente vivo na experiência, ao invés de perdido em constructos mentais sobre o passado ou sobre o futuro.

O processo de aprendizado

          Ambas as abordagens veem os seres humanos como organismos em aprendizado e não como entidades fixas. As duas cultivam consciência baseada em investigação íntima da experiência imediata, ainda que por diferentes meios. As duas, portanto, entendem que é tanto possível como recomendável explorar o funcionamento da mente, e que esta consciência aumenta a capacidade de responder de modo flexível à experiência, mesmo a de sofrimento.

          Tanto a CT como as intervenções baseadas em mindfulness oferecem um aprendizado passo-a-passo, apoiadas em prática sistemática e extensiva, que é voltada para o desenvolvimento estável e perene de novos discernimentos, conhecimentos e habilidades. Ambas as abordagens podem ser encaradas como formas de treinamento – treinamento em concentração, em observação minuciosa, em reagir de acordo com o discernimento dos fenômenos mentais, em se posicionar de determinada forma em relação à experiência (interesse, curiosidade e gentileza) e (no caso da CT) em questionar padrões de pensamento habituais e testá-los na própria experiência. As evidências dos efeitos de longo prazo da CT aplicada à depressão sugerem que ela cria alterações de perspectivas que efetivamente duram (e.g. Paykel et al. 2005) e a meditação mindfulness (se as pessoas a escolherem) é um instrumento aplicável vida inteira.

          Quanto aos processos de aprendizado em si mesmos, ambas as abordagens são altamente experienciais. Na CT, as intervenções verbais são importantes no questionamento de certas cognições, mas, para ocorrer a transformação emocional, somente o diálogo não é suficiente. Ele pode oferecer um entendimento conceitual, mas não é um aprendizado em “nível visceral” necessário para uma mudança profunda. Portanto, novas perspectivas devem ser efetivamente traduzidas para mudanças de comportamento no mundo real. Com a mesma intenção de unir cabeça e coração, metáfora, imagens, estórias, ilustrações e poemas são parte integral de ambas as abordagens (Blenkiron 2010; Hackmann, Bennett-Levy e Holmes 2011; Segal, Williams e Teasdale 2002; Stott et al. 2010).

          Nas MBIs, o aprendizado de novos elementos surge a partir de extensa prática pessoal de meditação. Na CT, ele surge a partir da repetição de uma abordagem diferente perante pensamentos e emoções dolorosos. A estrutura da teoria de aprendizado para adultos, e em particular o processo de aprendizado ilustrado no ciclo de aprendizado de Kolb (1984), foi utilizado para sugerir como isto poderia ser feito de modo mais eficaz (Bennett-Levy et al. 2004). Esta mesma sequência pode ser aplicada aos processos de aprendizado das MBIs (ver figura 2).

          Kolb sugeriu que o aprendizado e a memorização eficaz surgem de uma sequência de passos, cada um tomando por base o anterior e construindo a base para o seguinte. Para um aprendizado bem-sucedido, a experiência direta é necessária (no caso das MBIs, da própria prática de meditação; na CT, das cognições específicas, identificadas através de experiências de comportamento). Entretanto, a experiência tem pouco valor se o que for experienciado não for enxergado de maneira clara. Do mesmo modo, lições derivadas de experiências e observações específicas muito provavelmente não vão se transmutar em um novo jeito de ser a não ser que a reflexão venha em seguida – posicionamento de novas observações em contexto, relacionamento com conhecimento pré-existente, criação de significado.

Figura 2
O processo de aprendizado baseado no ciclo de aprendizado de Kolb (1984)

 

Dentro das intervenções baseadas em mindfulness, a observação e a reflexão são facilitadas pelo processo investigativo que acompanha a prática meditativa. O que pode ser aprendido do que surgiu naquele momento? O que os participantes perceberam? Como estas percepções se relacionam com a sua experiência em um sentido mais geral, ao funcionamento da mente humana, à experiências dos outros participantes e – em alguns contextos – aos ensinamentos Budistas? Dentro da CT, um processo similar de descoberta guiada é facilitado pelo “questionamento socrático” (Westbrook, Kennerley e Kirk 2007, capítulo 3), um processo exploratório pelos quais os pacientes são gentilmente guiados através da observação e da criação de significados por perguntas abertas intercaladas com ponderações empáticas. O que aconteceu? Que pensamentos, emoções, sensações corporais e comportamentos você percebeu? O que significam estas observações? Como elas se relacionam com suas presunções e crenças mais gerais? Como elas se relacionam com as experiências do passado? Como elas se relacionam com sua forma de estabelecer conceitos? O próximo passo é um convite a pensar adiante. Como o que foi aprendido pode ser levado a diante? Dentro das intervenções baseadas em mindfulness, isto pode significar preparar-se para a próxima prática (por exemplo, preparar-se para prestar atenção na tonalidade sensorial de determinado aspecto da experiência). Dentro da CT, pode significar preparar-se para um novo experimento comportamental. E assim o ciclo começa outra vez.

Um mecanismo de mudança comum?

          Teasdale (Teasdale et al. 2002) questionou o senso comum de que a CT atingia seus efeitos por uma transformação de cognição (hipótese que naquela altura tinha pouco amparo em evidências), e sugeriu um mecanismo alternativo: “consciência metacognitiva”. Isto implica em uma mudança fundamental em como as pessoas se relacionam com suas cognições, e não nas cognições em si. Através da observação da atividade mental no presente, em um espírito de investigação ao invés de em um de julgamento, e pela repetida descentralização de velhas rotinas mentais, com um questionamento e teste desta atividade, os pacientes aprendem a experienciar os pensamentos enquanto eventos na mente, e não como “verdades” ou como “eu”. As descobertas de Teasdale e seus colegas sugerem que isto pode mesmo ser um mecanismo chave tanto na CT como na MBCT.

          Este processo é imediatamente reconhecível para praticantes de mindfulness. No entanto, enquanto a meditação mindfulness está atenta ao funcionamento da mente no sentido mais amplo possível, dentro da estrutura de pensamento Budista, a CT tem um foco mais estrito em aspectos específicos da experiência relevantes ao paciente ou grupo em particular, e bebe na fonte das pesquisas e teorias relevantes quanto às origens e persistência da perturbação. No trabalho da depressão, por exemplo, isto significa ir direto à natureza do pensamento depressivo (Segal, Williams e Teasdale 2002, sessão 4). Em contrapartida, na síndrome de fadiga crônica a ênfase é mais nas respostas à atividade e aos sintomas físicos de dor e fadiga (Surawy, Roberts e Silver 2005), nos distúrbios alimentares a ênfase é nos comportamentos alimentares e posicionamentos diante do peso e da forma (ver Baer, Fishcher e Huss 2005), e na psicose a ênfase é nas experiências de vozes (Chadwick, Newman-Taylor and Abba 2005; Chadwick et al. 2009). No trabalho com grupos misturados, cujos membros estão experienciando uma gama de problemas psicológicos diferentes, o foco de luz se amplia para iluminar processos mais gerais e transdiagnósticos como a rejeição e a ruminação.

Conclusão

          Nós delineamos aqui a teoria e a prática da CBT e sublinhamos as maneiras na quais ela é diferente das abordagens baseadas em mindfulness, que tem suas raízes no Budismo, e as maneiras nas quais elas são congruentes. Qual, então, é o prospecto para este casamento? A MBCT representa um verdadeiro encontro de mentes, uma integração criativa, ou ela reflete um choque de culturas que nunca serão efetivamente reconciliadas? Ainda que existam diferenças autênticas que merecem ser respeitadas, nos parece que estas parceiras improváveis têm o suficiente em comum para uma união produtiva e pacífica, sujeita a evolução e a durabilidade.

 

Referências

BAER, R. A., S. FISCHER, e D. B. HUSS. 2005. MBCT applied to binge eating: A case study. Cognitive & Behavioural Practice 12: 351–8.

BARNHOFER, R., C. CRANE, E. HARGUS, M. AMARASINGHE, R. WINDER, e J. M. G. WILLIAMS. 2009. MBCT as a treatment for chronic depression: A preliminary study. Behaviour Research & Therapy 47: 366–73.

BECK, A. T. 1976. Cognitive therapy and the emotional disorders. New York: International Universities Press.

BECK, A. T., A. J. RUSH, B. F. SHAW, e G. EMERY. 1979. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford.

BENNETT-LEVY, J., BUTLER, G., FENNELL, M., HACKMANN, A., MUELLER, M., e WESTBROOK, D., eds. 2004. The Oxford guide to behavioural experiments in cognitive therapy. Oxford: Oxford University Press.

BLENKIRON, P. 2010. Stories and analogies in cognitive behaviour therapy. Chichester, UK: Wiley-Blackwell.

BUTLER, G., M. J. V. FENNELL, e A. HACKMANN. 2008. Cognitive therapy for anxiety disorders: Mastering clinical challenges. New York: Guilford.

CHADWICK, P., S. HUGHES, D. RUSSELL, I. RUSSELL, e D. DAGNAN. 2009. Mindfulness groups for distressing voices and paranoia: A replication and randomised feasibility trial. Behavioural & Cognitive Psychotherapy 37: 403–30.

CHADWICK, P., K. NEWMAN-TAYLOR, e N. ABBA. 2005. Mindfulness groups for people with psychosis. Behavioural & Cognitive Psychotherapy 33: 351–9.

DERUBEIS, R. J., S. D. HOLLON, J. D. AMSTERDAM, R. C. SHELTON, R. C. YOUNG, R. M. SALOMON, J. P. O’REARDON et al. 2005. Cognitive therapy vs. medications in the treatment of moderate to severe depression. Archives of General Psychiatry 62: 409–16.

EISENDRATH, S. J., K. DELUCCHI, R. BITNER, P. FENIMORE, M. SMIT, M. MCLANE et al. 2008. MBCT for treatment resistant depression: A pilot study. Psychotherapy and Psychosomatics 101: 1–2.

GODFRIN, K. A., e C. VAN HEERINGEN. 2010. The effects of mindfulness-based cognitive therapy on recurrence of depressive episodes, mental health and quality of life: A randomized controlled study. Behaviour Research & Therapy 48: 738–46.

HACKMANN, A., J. BENNETT-LEVY, e E. HOLMES. 2011. The Oxford guide to imagery in cognitive therapy. Oxford: Oxford University Press.

HOLLON, S. D., M. O. STEWART, e D. STRUNK. 2005. Enduring effects for cognitive behaviour therapy in the treatment of depression and anxiety. Annual Review of Psychology 57: 285–315.

HOLLON, S. D., R. J. DERUBEIS, R. C. SHELTON, J. D. AMSTERDAM, R. M. SALOMON, J. P. O’REARDON, M. L. LOVETT et al. 2005. Prevention of relapse following cognitive therapy vs. medications in moderate to severe depression. Archives of General Psychiatry 62: 417–22.

KABAT-ZINN, J. 1990. Full catastrophe living: The program of the stress reduction clinic at the University of Massachusetts Medical Center. New York: Dell.

KENNY, M. A., and J. M. G. WILLIAMS. 2007. Treatment-resistant depressed patients show a good response to mindfulness-based cognitive therapy. Behaviour Research & Therapy 45: 617–25.

KOLB, D. A. 1984. Experiential learning. New Jersey: Prentice-Hall.

KUYKEN, W., S. BYFORD, R. S. TAYLOR, E. WATKINS, E. HOLDEN, K. WHITE, B. BARRETT et al. 2008. Mindfulness-based cognitive therapy to prevent relapse in recurrent depression. Journal of Consulting and Clinical Psychology 76: 966–78.

LAU, M. A., Z. V. SEGAL, e J. M. G. WILLIAMS. 2004. Teasdale’s differential activation hypothesis: Implications for mechanisms of depressive relapse and suicidal behaviour. Behaviour Research & Therapy 42: 1001–17.

MA, J., e J. D. TEASDALE. 2004. Mindfulness-based cognitive therapy for depression: Replication and exploration of differential relapse prevention effects. Journal of Consulting & Clinical Psychology 72: 31–40.

PAYKEL, E. S., J. SCOTT, P. L. CORNWALL, R. ABBOTT, C. CRANE, M. POPE, e A. L. JOHNSON. 2005. Duration of relapse prevention after cognitive therapy in residual depression: Follow-up of controlled trial. Psychological Medicine 35: 59–68.

RUSH, A. J., A. T. BECK, M. KOVACS, e S. HOLLON. 1977. Comparative efficacy of cognitive therapy and pharmacotherapy in the treatment of depressed outpatients. Cognitive Therapy & Research 1: 17–37.

SEGAL, Z. V., P. BIELING, T. YOUNG, G. MACQUEEN, R. COOKE, L. MARTIN, R. BLOCH, e R. LEVITAN. 2010. Antidepressant monotherapy versus sequential pharmacotherapy and mindfulness-based cognitive therapy, or placebo, for relapse prophylaxis in recurrent depression. Archives of General Psychiatry 67: 1256–64.

SEGAL, Z. V., M. GEMAR, e S. WILLIAMS. 1999. Differential cognitive response to a mood challenge following successful cognitive therapy or pharmacotherapy for unipolar depression. Journal of Abnormal Psychology 108: 3–10.

SEGAL, Z. V., J. M. G. WILLIAMS, e J. D. TEASDALE. 2002. Mindfulness-based cognitive therapy for depression: A new approach to preventing relapse. New York: Guilford.

STOTT, R., W. MANSELL, P. SALKOVSKIS, A. LAVENDER, e S. CARTWRIGHT-HATTON. 2010. The Oxford guide to metaphors in CBT: Building cognitive bridges. Oxford: Oxford University Press.

SURAWY, C., J. ROBERTS, and A. SILVER. 2005. The effect of mindfulness training on mood and measures of fatigue, activity, and quality of life in patients with chronic fatigue syndrome on a hospital waiting list: A series of exploratory studies. Behavioural & Cognitive Psychotherapy 33: 103–9.

TEASDALE, J. D., R. G. MOORE, H. HAYHURST, M. POPE, S. WILLIAMS, e Z. V. SEGAL. 2002. Metacognitive awareness and prevention of relapse in depression: Empirical evidence. Journal of Consulting & Clinical Psychology 70: 275–87.

TEASDALE, J. D., Z. V. SEGAL, J. M. G. WILLIAMS, V. RIDGEWAY, J. SOULSBY, e M. LAU. 2000. Reducing risk of recurrence of major depression using mindfulness-based cognitive therapy. Journal of Consulting & Clinical Psychology 68: 615–23.

WALLER, G. 2009. Evidence based treatment and therapist drift. Behaviour Research & Therapy 47: 119–27.

WESTBROOK, D., H. KENNERLEY, and J. KIRK. 2007. An introduction to cognitive behavior therapy: Skills and applications. London: Sage.

WILLIAMS, J. M. G. 2008. Mindfulness, depression and modes of mind. Cognitive Therapy & Research 32: 721–33.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *