Deprecated/home1/cien1832/public_html/wp-includes/functions.php7241

Deprecated/home1/cien1832/public_html/wp-includes/functions.php2187

Deprecated/home1/cien1832/public_html/wp-content/plugins/elementor/core/experiments/manager.php166
Mindfulness Científico: Intervenções Baseadas em Mindfulness - Ciência Contemplativa

Mindfulness Científico: Intervenções Baseadas em Mindfulness

O QUE É MINDFULNESS?
Ausías Cebolla e Marcelo Demarzo

Nos últimos anos, vimos como as terapias baseadas em mindfulness (TBMs) têm representado uma verdadeira revolução no âmbito da saúde, atingindo índices extraordinários de popularidade. No contexto da medicina, psicologia e educação, o termo mindfulness (que já foi traduzido de muitas maneiras, como atenção plena, plena atenção, consciência plena, consciência pura, estar atento) refere-se ao traço ou estado mental de estar atento, intencionalmente, à experiência presente. Em outras palavras: estar atento, de forma deliberada, ao fenômeno que se desenvolve aqui e agora, com aceitação e sem julgar. Devido à sua natureza sobretudo prática e vivencial, o entendimento completo de mindfulness costuma exigir uma experiência em primeira pessoa, ou seja, para se compreender totalmente o significado de mindfulness deve-se ter em conta que a prática é essencial. Apesar dessa limitação, o objetivo deste capítulo introdutório é oferecer uma visão geral das definições, conceitos e práticas que a amplitude do termo mindfulness pode significar e designar.

DEFINIÇÃO E CONCEITO

Conforme já vimos, mindfulness é um estado ou traço que se refere à capacidade de estar atento ao que acontece no presente, com abertura e aceitação. Jon Kabat-Zinn, um dos pais do uso clínico de mindfulness no Ocidente, propõe a mesma ideia em termos mais simples: mindfulness é apenas “parar e estar presente, só isso” (Kabat-Zinn, 2005). O traço mindfulness descreve a personalidade que tende a adotar uma atitude de aceitação – centrada no presente – em relação à própria experiência (Baer et al., 2008).

Adicionando mais elementos à definição, a atenção à experiência presente deve estar associada a uma qualidade ou orientação de aceitação que, por sua vez, também é intencional. Neste caso, aceitação não significa resignação; é uma tentativa de não julgar, uma curiosidade isenta de julgamento, ou abertura ao desenvolvimento da experiência, seja ela positiva ou negativa.

Assim, mindfulness envolve dois componentes fundamentais: a autorregulação da atenção e uma orientação aberta à experiência (Bishop et al., 2004). O primeiro componente consiste, portanto, na autorregulação da atenção para que o indivíduo mantenha-se concentrado na experiência fenomenológica imediata e possa reconhecer melhor os acontecimentos corporais, sensoriais e mentais no momento presente. O segundo componente é a adoção de uma orientação particular frente às próprias experiências do momento – uma orientação caracterizada pela curiosidade, abertura e aceitação, que também pode ser entendida como um monitoramento aberto à experiência. Esse último aspecto implica a tentativa de reconhecer a realidade crua das coisas e fenômenos, livre de nossos filtros cognitivos, afetivos e culturais, que costumam gerar respostas baseadas em um padrão pré-estabelecido por nossas experiências anteriores. Envolveria também o monitoramento aberto – em perspectiva – de nossas próprias emoções, pensamentos e padrões mentais, geralmente chamados de metacognição ou descentramento (decentering), elementos que parecem ser dimensões importantes do conceito de mindfulness (Hayes-Skelton e Graham, 2013).

Esse tipo particular de atenção que chamamos de mindfulness reflete uma capacidade humana inata, porém pouco explorada hoje em dia, já que vivemos em uma época cultural que nos induz a fazer múltiplas tarefas simultâneas, como assistir televisão enquanto comemos, falar ao celular enquanto caminhamos, entre milhares de exemplos possíveis. Por outro lado, essa qualidade de atenção pode ser (re)aprendida e treinada com o uso regular de várias técnicas e práticas específicas, que também fazem parte do termo mindfulness mais abrangente, e que serão descritas posteriormente.

Do ponto de vista científico, o estado ou traço de mindfulness está relacionado a vários indicadores da saúde física e psicológica como, por exemplo, maior equilíbrio do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), níveis mais elevados de afeto positivo, satisfação com a vida, vitalidade e menores níveis de afeto negativos e de outros sintomas psicopatológicos. Consequentemente, mindfulness é útil para o tratamento de muitas doenças e transtornos. Existem diversos mecanismos subjacentes aos efeitos do treinamento na saúde e no bem-estar e incluem: maior controle da atenção, maior consciência das experiências internas e externas, menor reatividade às mesmas experiências, e em consequência melhor regulação emocional e uma maior flexibilidade psicológica. Todos estes aspectos despertaram um interesse exponencial por mindfulness no meio científico e serão aprofundados nos capítulos seguintes.

Penetrando um pouco mais no conceito, alguns autores consideram mindfulness um processo cognitivo complexo, não narrativo, às vezes conhecido como modo ser em contraposição à forma tradicional de nossa vida diária habitual, ou modo fazer (Williams, 2010). O modo fazer está voltado à obtenção de uma meta, a mente está preocupada em analisar o passado e o futuro, o presente adquire uma prioridade muito baixa e, em consequência, tem-se uma visão estreita do presente. Neste modo a mente tende a divagar continuamente movendo-se em círculos, registrando as discrepâncias existentes entre como as coisas são e como deveriam ser ou como gostaríamos que fossem. Os objetos da experiência são rotulados e julgados – bom/mal, feio/bonito etc.

No modo mindful, não narrativo ou modo ser, o objetivo não é atingir uma meta concreta, portanto, não há um acompanhamento de quão longe se está e consequentemente não há discrepâncias. O foco deste modo está em aceitar e permitir a experiência dos fenômenos em nossa rotina, sem pressão para mudar e sem julgar. O modo ser não é um estado não natural ou alterado, onde toda atividade deve parar. Ao contrário, ambos os estados estão implicados em uma infinidade de atividades e momentos. Este modo tem um contato maior com a experiência imediata e gera uma forma não narrativa de relacionar-se com a experiência (Farb et al., 2007). Praticar mindfulness, portanto, permitiria passar do modo fazer para o modo ser, ampliando, facilitando e automatizando a passagem a este modo.

ORIGENS BUDISTAS DE MINDFULNESS: SATI

O conceito de mindfulness provém do budismo. Embora as terapias baseadas em mindfulness sejam revisões científicas e laicas, é importante reconhecer as origens históricas dos termos e conceitos que geraram a base epistemológica daquilo que chamamos de mindfulness hoje.

Mindfulness, portanto, é uma tradução da palavra sati – na língua páli, um dos idiomas em que os discursos do Buda foram escritos há 2.500 anos. É difícil encontrar uma tradução para sati e existem verdadeiras dissertações sobre a complexidade de seu significado. Assim, para o budismo, sati é um conceito de múltiplas facetas, que inclui não apenas o controle atencional, mas toda uma série de fatores cognitivos e éticos.

O conceito sati aparece sistematizado no sermão de Buda chamado Satipatthana Sutta, ou Os Quatro Fundamentos da Atenção. Este sermão, texto central do budismo, sistematiza o papel da atenção e seu treinamento, situando-o como ponto chave da doutrina budista. Buda, após sua iluminação, propôs um caminho espiritual para a libertação do sofrimento. O autêntico objetivo do budismo é gerar uma compreensão maior da natureza do sofrimento, sua causa, sua cessação e o caminho para atingir tal cessação (Bodhi, 2013). Para o budismo, a raiz do sofrimento (Dukkha) surge na mente e, portanto, é lá que deve ser cortada.

Sati é o sétimo fator do Nobre Óctuplo Caminho. Esse caminho é o cerne dos preceitos propostos pela religião budista para a extinção do sofrimento, ou o que se conhece como as Quatro Nobres Verdades: o sofrimento (sofrimento, insatisfação, incerteza, dor) é inerente à vida; a origem do sofrimento está nos desejos provenientes do ego; o sofrimento pode ser extinto ao se extinguir sua causa; para extinguir o sofrimento devemos seguir o Nobre Óctuplo Caminho. Este caminho é composto por várias práticas ou atitudes que devem ser seguidas: reta visão ou reta compreensão, reto pensamento, reta palavra, reta ação, reto modo de vida, reto esforço, reta atenção e reta concentração. As duas primeiras correspondem à sabedoria; a terceira, quarta e quinta, à virtude: e a sexta, sétima e oitava, à meditação (Bodhi, 2013).

A PRÁTICA DE MINDFULNESS

Conforme vimos antes, mindfulness é um estado ou capacidade de trazer a atenção ao presente, sem julgamento e com abertura à experiência. Tal estado pode ser treinado e gerar muitos benefícios, tanto para a saúde mental como física (Williams, 2010). No âmbito científico, a prática de mindfulness se divide em dois tipos: a prática formal, baseada em técnicas de meditação, e a prática informal, que consiste em levar essa qualidade de atenção ao presente em atividades cotidianas.

Em relação ao primeiro tipo, é importante esclarecer que, embora mindfulness seja frequentemente confundida com meditação, essas práticas não são exatamente o mesmo. A meditação inclui um número enorme de práticas diferentes, mas nem todas têm como objetivo aumentar ou treinar a capacidade de mindfulness ou atenção plena. Portanto, mindfulness não é o mesmo que meditação, ou seja, é possível meditar sem praticar mindfulness e é possível praticar mindfulness sem fazer a meditação formal. A meditação, no entanto, é considerada uma técnica adequada, que ajuda a treinar a capacidade e a habilidade de mindfulness, embora o objetivo de um treinamento em mindfulness não seja a meditação em si, nem a conversão dos participantes em meditadores para o resto da vida, mas sim o aumento da capacidade ou habilidade da qualidade de atenção do tipo mindfulness.

A prática formal de mindfulness normalmente inicia-se adotando uma postura cômoda sentada em uma almofada (zafu), em uma cadeira, ou deitada, levando a atenção à sensação física do ar entrando pelo nariz, ao abdômen elevando-se, ou ao corpo. Na realidade, a atenção dirige-se a qualquer objeto ou fenômeno que se manifeste no presente (âncoras da atenção). As sensações físicas (respiração ou corpo) costumam ser o terreno adequado para começar a dirigir a atenção. Uma vez focada a atenção no ponto determinado, costuma surgir um evento de distração, seja um pensamento, preocupação, planos, sensação, emoção etc. Quando isso acontece, a instrução é observar esse evento, sem avaliá-lo e, pouco a pouco, voltar gentilmente a atenção à respiração ou ao corpo. Essa instrução aparentemente tão simples gera um tipo de observação da própria experiência, sem julgamento, que produz processos psicológicos associados à promoção da saúde, e que serão aprofundados ao longo deste livro.

Por outro lado, as técnicas informais referem-se a um processo muito semelhante ao das técnicas formais, com a diferença de não serem praticadas na posição sentada, sobre uma almofada de meditação, mas realizadas em eventos cotidianos (lavar as mãos, passear, comer etc). Em outras palavras, são exercícios simples de tomada de consciência, de observação dos sentidos e atenção ao que ocorre no presente. Do ponto de vista clínico, o verdadeiro objetivo de toda intervenção baseada no treinamento em mindfulness é o estabelecimento da prática informal nos usuários e, para isso, utiliza-se a prática formal.

Todas estas técnicas contêm os mesmos ingredientes, ou seja, levar – e manter – a atenção a algum objeto (âncora) ou evento que ocorra no presente e observar seja o que for que aconteça, sem tentar alterar nada, com uma atitude de abertura e curiosidade. Em geral, nas intervenções baseadas em mindfulness, o sistema utilizado costuma ser o de praticar na sessão de treinamento e em seguida os participantes devem praticar em casa com o auxílio de áudios.

MITOS E PRECONCEITOS

Com o aumento exponencial do interesse nas práticas e terapias baseadas em mindfulness é natural que acabem surgindo também mitos, conceitos equivocados e preconceitos sobre o tema (Williams, Dixon, McCorkle e Van Ness, 2011), com frequência associados também a confusões provenientes de suas origens religiosas e espirituais.

Um mito relacionado à utilidade de mindfulness na saúde é a ideia de que as terapias baseadas em mindfulness (TBMs) são uma panaceia, ou seja, a solução para todos os males e como substitutas de outros tratamentos psicológicos e farmacológicos. Conforme veremos nos próximos capítulos, embora mindfulness seja eficaz para uma série de transtornos, suas indicações são precisas e baseadas em evidências científicas. Atualmente há estudos inclusive sobre os possíveis efeitos inesperados ou até mesmo adversos de mindfulness, ou seja, sensações físicas ou emocionais transitórias que podem surgir aleatoriamente durante as práticas de mindfulness especialmente entre principiantes – por exemplo, aumento transitório da ansiedade, sensação temporária de falta de sentido na vida etc. – e que devem ser consideradas no uso clínico de mindfulness, conforme abordaremos nos capítulos seguintes. Desta forma, o conceito de mindfulness como panaceia é equivocado e não benéfico. Além disso, pode gerar expectativas fantasiosas entre pacientes e profissionais, levando ao uso indevido ou ineficiente dessas terapias, sob o risco de caírem em descrédito.

O revés do mito da panaceia é a ideia de que mindfulness não se baseia em pesquisas científicas, que seus efeitos benéficos vêm do efeito placebo, ou que mindfulness é simplesmente mais uma técnica de relaxamento e, portanto, não pode ser considerada um tratamento. Conforme veremos, a eficácia de mindfulness tem sido comprovada por estudos com metodologia bem delineada, ou seja, ensaios clínicos controlados e randomizados, e meta-análise, que são os padrões em termos de evidências científicas. Além disso, muitos dos mecanismos envolvidos na prática de mindfulness já são conhecidos e diferem bastante do placebo e do relaxamento, como veremos nos demais capítulos deste livro.

Outro preconceito frequente é a ideia de que mindfulness está ligada à cultura oriental e, portanto, os ocidentais teriam dificuldade em praticá-la; ou, seguindo o mesmo raciocínio, que a prática de mindfulness está ligada à filosofia budista e, desta forma, não seria adequada a pessoas de outras religiões. Conforme enfatizamos aqui, embora tenham claramente uma raiz nas técnicas meditativas budistas, as terapias baseadas em mindfulness estão adaptadas ao contexto cultural ocidental, desprovidas de qualquer conotação religiosa. Por exemplo, em programas clássicos de mindfulness, do tipo MBSR (Mindfulness-Based Stress Reduction) ou MBCT (Mindfulness-Based Cognitive Therapy), não há qualquer referência à filosofia ou religião oriental. Além disso, todas as técnicas são simples e de fácil acesso a pessoas de todas as culturas e religiões, sem restrições étnicas ou religiosas.

A postura ou posição corporal durante as técnicas meditativas utilizadas nas práticas formais de mindfulness é outro tema que pode gerar confusão. Conforme mencionamos, tais técnicas são praticadas em posturas e posições simples e acessíveis inclusive a pessoas com algum tipo de incapacidade física. A principal orientação é manter o conforto e a estabilidade corporal enquanto sentado no chão ou cadeira, ou deitado no colchonete, sem qualquer necessidade de permanecer imóvel o tempo todo ou de colocar-se em posição de lótus ou semilótus.

Outros conceitos equivocados estão relacionados às técnicas de mindfulness e seus efeitos. Por exemplo, a concepção errônea de que a prática de mindfulness permitirá limpar a mente ou deixá-la em branco, ou que mindfulness é um estado de transe envolvendo dissociação ou perda de controle, ou que é um estado de desconexão ou distanciamento do exterior. Conforme mencionamos no início do capítulo, mindfulness possui dois elementos fundamentais: a autorregulação da atenção e a orientação aberta à experiência. Consequentemente, quando orientamos nossa atenção à experiência do momento com uma atitude de abertura, fazemos o mesmo com nossas emoções e pensamentos. Isso significa que o objetivo da prática de mindfulness não é o controle dos pensamentos ou o seu desaparecimento, mas observar de modo consciente a experiência presente, que inclui padrões mentais de pensamentos e emoções. Por exemplo, durante uma prática de atenção plena na respiração, leva-se deliberadamente a atenção para a respiração, e espera-se que mais cedo ou mais tarde surjam pensamentos ou preocupações (o habitual de nossa mente); isso faz parte da prática. A diferença é que observaremos os eventos mentais com a intenção de não nos identificar com eles (modo não avaliativo), de maneira não crítica, voltando novamente (e sempre que necessário) nossa atenção à âncora escolhida (neste caso, a respiração). Em resumo, não se espera que a mente fique em branco, e sim que observemos, sem julgar, nossos próprios eventos mentais. Da mesma forma, é um erro dizer que mindfulness é um estado de transe, dissociação ou desconexão com a realidade, já que se trata exatamente do contrário, ou seja, o objetivo final é estar totalmente presente e consciente da realidade que se apresenta a cada momento.

AS TERAPIAS BASEADAS NO TREINAMENTO EM MINDFULNESS

Nos últimos anos, a irrupção das terapias baseadas em mindfulness (TBMs) provocou toda uma revolução, gerando muita literatura científica que mostrou a eficácia dessas terapias em múltiplos contextos e transtornos, contagiando também o âmbito não clínico e informativo. Não apenas as terapias baseadas exclusivamente em mindfulness foram pesquisadas – as terapias tradicionais (terapia cognitivo-comportamental, terapia sistêmica, psicanálise etc.) também se abriram à incorporação de técnicas de mindfulness dentro do leque de técnicas que elas propõem.

AS TBMs baseiam-se em uma série de pressupostos fundamentais (Bishop et al., 2004). De acordo com o primeiro pressuposto, os seres humanos costumam ser pouco conscientes de sua experiência momento a momento, ou seja, normalmente agimos no piloto automático e temos pouca consciência do presente. Estudos científicos demonstram que o tempo dedicado a essa divagação corresponde a uma porcentagem muito grande do nosso tempo (Killingsworth e Gilbert, 2010). Em 2010, Killingsworth e Gilbert apresentaram os resultados de um estudo interessantíssimo sobre o tema, tanto devido ao método utilizado como pelos resultados obtidos. Os autores conceberam um aplicativo de smartphone no qual faziam três simples perguntas:

Como você se sente neste momento? (de 0 a 100)
O que você está fazendo neste momento?
Você está pensando em algo diferente do que você está fazendo?
(Não/Sim, algo agradável/Sim, algo neutro/Sim, algo desagradável)

Essas três perguntas eram ativadas de forma aleatória no telefone de 2.250 adultos. O estudo levou a três conclusões:

a) a mente está frequentemente em um estado de divagação (cerca de 50% do tempo)

b) somos menos felizes quando nossa mente divaga do que quando não o faz, e

c) o conteúdo de nossa mente está mais relacionado à felicidade do que à atividade que estamos realizando.

Uma das conclusões deste estudo e também das TBMs é que a capacidade de tomar consciência da experiência momento a momento gera, efetivamente, um sentido de vida mais vital e rico. Outra ideia básica é a de que todos somos capazes de desenvolver a habilidade de mindfulness, isto é, que é suscetível de ser treinada e modificada. Evidentemente, existe também uma parte de mindfulness que é um traço e que certamente está associada ao temperamento. Em todo caso, mesmo partindo de diferentes níveis, todos tempos condições de aumentar essa capacidade. Além disso, o desenvolvimento dessa capacidade é gradativo, progressivo e requer uma prática regular. Ou seja, não é uma questão de compreender e intelectualizar, nem mesmo de ter fé. É necessário praticar continuamente para que os resultados se revertam em saúde. Por último, a capacidade de observar persistentemente, sem julgar o conteúdo mental, aumenta gradativamente a veracidade das percepções. Com tal aumento na capacidade de perceber nossas próprias respostas mentais a estímulos internos e externos, temos acesso a mais informações, o que, por sua vez, aumenta as ações efetivas no mundo e intensifica a percepção de controle.

As terapias mais importantes desenvolvidas nos últimos anos baseadas no treinamento em mindfulness incluem:

Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR)

Jon Kabat-Zinn é, sem dúvida, um dos pioneiros no uso clínico e na pesquisa em mindfulness. Biólogo profissional, criou, em 1979, o Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (Mindfulness-Based Stress Reduction, MBSR) e fundou a clínica de redução de estresse baseada em atenção plena em Worcester, Massachusetts (Estados Unidos), hoje conhecida como Center for Mindfulness in Medicine, Health Care and Society (CFM). O programa MBSR baseia-se em um treinamento em mindfulness estruturado em oito sessões semanais de duas horas e meia, aproximadamente, e um final de semana de retiro em silêncio. Durante o treinamento, os participantes devem comparecer às sessões e depois praticar mindfulness em casa, em sessões de 45 minutos de duração, seis dias por semana. Sob as siglas MBSR há toda uma indústria de formação e promoção de mindfulness, na qual, sem dúvida alguma, se espelharam as demais propostas terapêuticas baseadas em mindfulness. O programa MBSR teve sua eficácia comprovada por rigorosos estudos publicados em revistas científicas de grande impacto, atraindo a atenção de cientistas de todo o mundo, demonstrando eficácia sobre a dor crônica, ansiedade, melhora do sistema imunológico etc. (Chiesa e Serreti, 2009).

Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT)

Desenvolvido por Zindel Segal, John Teasdale e Mark Williams (2002), este protocolo terapêutico é um tratamento psicológico em grupo, desenvolvido para prevenir recaída em depressão, baseado no treinamento em mindfulness. É uma adaptação de um programa MBSR associado a intervenções tradicionais de terapia cognitiva para depressão. Atualmente é uma das intervenções baseadas em mindfulness em maior evidência – de fato, o Instituto Nacional para a Saúde e Excelência Clínica da Grã-Bretanha (NICE) recomenda essa terapia como intervenção de escolha para prevenir recaída em depressão em pessoas com três ou mais recaídas, mostrando-se pelo menos tão eficaz quanto a medicação (Piet e Hougaard, 2011).

A estratégia utilizada pela MBCT para evitar recaída consiste em ajudar os pacientes a desembaraçar-se dos processos ruminativos que costumam manter os estados depressivos. A essência de minfulness é a utilização intencional do controle da atenção para estabelecer uma configuração do processamento da informação alternativo ao depressivo (baseado no presente, na aceitação e na ausência de julgamento) e, portanto, incompatível com a configuração da engrenagem depressiva (Teasdale, 1999). Atualmente, muitas adaptações vêm sendo realizadas para diferentes transtornos, como ansiedade, prevenção de suicídio, ou população não clínica.

Mindfulness-Based Relapse Prevention (MBRP)

Programa desenvolvido por Alan Marlatt (MBRP, Bowen, Chawla e Marlatt, 2013). Combina um treinamento em mindfulness com um programa tradicional de prevenção de comportamento aditivos. Assim como os outros dois programas mencionados, também é composto por oito sessões. Alan Marlatt desenvolveu o programa tradicional de prevenção de recaída em dependência química e classificou os fatores que contribuem para a recaída em duas grandes categorias: determinantes imediatos (situações, efeitos de violação da abstinência) e antecedentes encobertos (desejo de consumo e estilos de vida). O objetivo do programa é ajudar os pacientes a reconhecer situações de alto risco de consumo e a se preparar para lidar com elas. Este mesmo autor decidiu incluir o treinamento em mindfulness neste programa para atribuir uma abordagem mais compassiva, enfatizando a aceitação em vez de culpa e vergonha. O treinamento em mindfulness serve para observar as experiências de modo consciente e sem julgamento, deixando o paciente mais consciente de seus estados emocionais e fisiológicos, dando-lhe condições de identificar os estados internos que disparam as recaídas.

Além das terapias mencionadas acima, há uma grande variedade de terapias que incluem mindfulness como elemento fundamental de sua intervenção, mas que não incorporam a prática de meditação no pacote de ferramentas clínicas. As mais importantes são a Terapia Dialética Comportamental (Linehan, 1993), que consiste em uma intervenção psicossocial para o transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e cujo principal objetivo é a redução de condutas suicidas e de autolesão. A estratégia terapêutica da Terapia Dialética Comportamental inclui o treinamento de aceitação das experiências do paciente e oferece novas estratégias de enfrentamento: refocalizar o significado da vida, trabalhar com valores, exposição a emoções anteriormente intoleráveis, prevenção da esquiva emocional, introdução do enfoque dialético. O tratamento está estruturado em módulos de grupo e em terapia individual. Ensina-se Mindfulness mediante exercícios curtos de respiração e prática informal. Atualmente, é a terapia de escolha para o tratamento de TPL, segundo o guia NICE, e tem obtido excelentes resultados em estudos de eficácia.

Por outro lado, a Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, Stroshal e Wilson, 1999) é uma intervenção psicológica baseada na terapia comportamental, que utiliza estratégias de aceitação e mindfulness conjuntamente ao trabalho com o compromisso e os valores, com o objetivo de aumentar a flexibilidade psicológica. Essa terapia em formato individual (embora também possa ser adaptada ao contexto de grupo) propõe que subjacente aos transtornos psicológicos está o que se chama transtorno de evitação da experiência – entendido como padrão inflexível segundo o qual nossa vida depende da necessidade de controlar e/ou evitar a presença de pensamentos, lembranças, sensações e outros eventos privados (Luciano e Valdivia, 2006). Utiliza-se mindfulness como ferramenta básica para treinar a aceitação desses eventos privados. Para isso, são usados principalmente exercícios de tomada de consciência ou mindfulness informal.

CONCLUSÕES

Conforme apresentamos, no uso clínico contemporâneo, mindfulness refere-se a uma qualidade particular para lidar com os fenômenos da vida cotidiana, com atenção plena à experiência e, ao mesmo tempo, com uma atitude de abertura, curiosidade e aceitação, sendo mais fácil sua vivência que sua definição em palavras. Além disso, pode-se compreender mindfulness como um termo guarda-chuva, que abarca o estado ou traço de mindfulness descrito anteriormente, bem como as técnicas, práticas e programas desenvolvidos para seu treinamento, além das terapias ou intervenções baseadas no treinamento em mindfulness. Devido ao seu rápido desenvolvimento e à origem religiosa, mindfulness pode levar a alguns erros conceituais e preconceitos que devem ser contestados por pesquisa científica séria e controlada. Diversas terapias foram desenvolvidas, todas contando com uma série de pressupostos. A eficácia e efetividade desses programas vêm sendo demonstradas para diferentes transtornos físicos e psicológicos, assim como em vários ambientes e contextos (sistemas de saúde, educação, e desenvolvimento pessoal e profissional), que serão tratados nos próximos capítulos deste livro.

Fonte: Martí I, Ausiàs Cebolla, García-Campayo, Javier e Demarzo, Marcelo. Mindfulness e Ciência: Da tradição à modernidade. São Paulo: Palas Athena, 2016.

Bibliografia:

Baer, R. A., Smith, G. T., Hopkins, J., Krietemeyer, J., e Toney, L. (2006): “Using self-report assessment methods to explore facets of mindfulness”, Assessment, 13(1), 27-45.

_ , _, Lykins, E., Button, D., Krietemeyer, J., Sauer, S., … Williams, J. M. G. (2008): “Construct Validity of the Five Facet Mindfulness Questionnaire in Meditating and Nonmeditating Samples”, Assessment, 15(3), 329-342.

Bishop, S. R., Lau, M., Shapiro, S., Carlson, L., Anderson, N. D., Carmody, J., …Devins, G. (2004): “Mindfulness: A proposed operational definition”, Clinical Psychology: Science and Practice, 11(3), 230-241.

Black D. S. (2013): “Mindfulness Research Guide. Recuperado em 28 de outubro de 2013 de http://www.mindfulexperience.org

Bodhi, B. (2013): “What does mindfulness really mean?”, em J. M. G. Williams e J. Kabat-Zinn (eds.), Mindfulness: diverse perspectives on its meaning, origins and applications, London, Routledge.

Bowen, S., Chawla, N., e Marlatt, G. A. (2011): “Prevención de recaídas en conductas adictivas basada en mindfulness: guia clínica”, em S. Bowen, N. Chawla e G. A. Marlatt (eds.), Mindfulness-based relapse prevention for addictive behaviours: a clinician’s guide, New York, Guilford Press.

Chiesa, A., e Serretti, A. (2009): “Mindfulness-based stress reduction for stress management in healthy people: a review and meta-analysis”, Journal of Alternative and complementary medicine (New York, N.Y.), 15(5), 593-600.

Farb, N., Segal, Z. V., Mayberg, H., Bean, J., McKeon, D., Fatima, Z. e Anderson, A. (2007): “Attending to the present: mindfulness meditation reveals distinct neural modes of self-reference”, Social Cognitive and Affective Neuroscience, 2(4), 313-322.

Hayes, S. C., Strosahl, K., e Wilson, K. G. (1999): Acceptance and commitment therapy, New York, NY, Guilford.

Hayes-Skelton, S., e Graham, J. (2013): “Decentering as a common link among mindfulness, cognitive reappraisal, and social anxiety”, Behavioural and cognitive psychotherapy, 41(3), 317-328.

Kabat-Zinn, J. (2005): Full catastrophe living: Using the wisdom of your body and mind to face stress, pain, and illness, New York, NY, US, Delta Trade Paperback/Bantam Dell.

Killingsworth, M. A., e Gilbert, D. T. (2010): “A Wandering Mind Is an Unhappy Mind”, Science, 330 (6006), 932-932.

Linehan, M. M. (1993): Cognitive-behavioural treatment of borderline personality disorder, New York, NY, Guilford.

Luciano, M. C., e Valdivia, M. S. (2006): “La Terapia de Aceptación y Compromiso (ACT). Fundamentos, características y evidencia”, Papeles del Psicólogo, 27, 79-91.

Piet, J. e Hougaard, E. (2011): “The effect of mindfulness-based cognitive therapy for prevention of relapse in recurrent major depressive disorder: a systematic review and meta-analysis”, Clinical psychology review, 31(6), 1032-1040.

Segal, Z. V., Williams, J. M. G. e Teasdale, J. D. (2002): Mindfulness-Based Cognitive Therapy for Depression. A new approach to preventing relapse, New York, NY, Guilford.

Teasdale, J. D. (1999): “Metacognition, mindfulness and the modification of mood disorders”, Clinical Psychology & Psychotherapy, 6(2), 146-155.
__, Moore, R. G., Hayhurst, H., Pope, M., Williams, S., e Segal, Z. V. (2002): “Metacognitive awareness and prevention of relapse in depression: Empirical evidence”, Journal of Consulting and Clinical Psychology, 70, 275-287.

Williams, J. M. G. (2010): “Mindfulness and psychological process”, Emotion, 10(1), 1-7.
__, Teasdale, J. D., Segal, Z. V. e Soulsby, J. (2000): “Mindfulness-based cognitive therapy reduces overgeneral autobiographic memory in formerly depressed patients”, Journal of Abnormal Psychology, 109(150-155).

Williams, A. –L., Dixon, J., McCorkle, R., e Van Ness, P. H. (2011): “Determinants of meditation practice inventory: development, contente validation, and initial psychometric testing”, Alternative therapies in health and medicine, 17(5), 16-23.

Witkiewitz, K., Lustyk, M. K. B. e Bowen, S. (2013): “Retraining the addicted brain: A review of hypothesized neurobiological mechanisms of mindfulness-based relapse prevention., Journal of Addictive Behaviours, 27, 351-365.

Zgierska, A., Rabago, D., Chawla, N., Kushner, K., Kohler, R., e Marlatt, A. (2009): “Mindfulness Meditation for Substance Use Disorders: A Systematic Review”, Journal of Substance Abuse, 30.

Digitação: Lama Jigme Lhawang

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

: strpos(): Passing null to parameter #1 ($haystack) of type string is deprecated in on line : str_replace(): Passing null to parameter #3 ($subject) of type array|string is deprecated in on line : version_compare(): Passing null to parameter #2 ($version2) of type string is deprecated in on line