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ESTÁGIOS GRADUAIS PARA A HUMANIZAÇÃO DO SER - Lama Jigme Lhawang - Ciência Contemplativa

ESTÁGIOS GRADUAIS PARA A HUMANIZAÇÃO DO SER – Lama Jigme Lhawang

Estágios Graduais Para a Humanização do Ser

Lama Jigme Lhawang


Escutatória

Vimos na primeira aula a qualidade da receptividade, a capacidade ou disposição de nos recebermos com amor e abertura, de acolhermos o nosso observador consciente para, então, recebermos da mesma forma tudo aquilo que observamos e entramos em contato – objetos, situações e outras pessoas. Hoje veremos uma outra qualidade que segue a receptividade e nos ajudará a entrar em contato e desenvolver um observador amoroso, aberto e consciente – a escutatória.

Há três tipos de escuta – a escuta dos estímulos externos, a escuta dos estímulos internos e a escuta intuitiva, que é o cenário por de trás da observação dos estímulos.

Portanto, há várias formas de se posicionar como um observador através da escuta profunda. Podemos nos posicionar como observadores interessados em algum tipo de gratificação. Podemos nos posicionar como observadores também reificando os pensamentos, o que dará ainda mais força aos mesmos.


Escuta externa

Sinta-se curioso, aberto e receptivo, permitindo que sua consciência deixe-se ser tocada pela realidade e descubra o que há para ser revelado.

Nossa vida é dinâmica, encontra-se em um movimento constante de interações. Consciente e inconscientemente vamos edificando quem somos através das experiências que vamos vivendo. Através desta interação vamos nos identificando e desenvolvendo ideais de uma autoimagem e progetando valores fixativos da realidade que nos circunda. A escuta externa é aquela que reconhece este processo e o vê com curiosidade, buscando entendê-lo e iluminá-lo. Como meus sentidos operam? O que, de fato, eles experienciam? Escutar com abertura e clareza os estímulos externos, os seres, coisas e situações, é o portal para entendê-los a partir da ligação que há com seu receptor, o observador consciente.


Escuta interna

Posicione-se com carinho e aceitação, deixando com que seus pensamentos mostrem a você o que eles dizem dentro de seu coração. Talvez você seja um ser humano com sentimentos, sensível, dotado de emoções, conceitos, aprendizados e julgamentos. Precisamos algumas vezes escutar o ser dentro de nós que busca desabafar e ser compreendido. O seus pensamentos e sentimentos importam para você pois é deles que sua vida é construída e vivida. Portanto, o teor e natureza destes pensamentos e emoções importam e podem nos mostrar regiões internas que precisam ser cuidadas e iluminadas com consciência e bondade.

A escuta interna também deve trazer aquela sensação de curiosidade e abertura que será tocada pelo movimento vivo dos fenômenos internos. Permita que este movimento se desvele a você com naturalidade e vivacidade.


Escuta Intuitiva

Agora, se permita dar um descanço a este observador, ofereça alguns instantes de respiração a sua consciência, refrescando sua escuta. A escuta intuitiva é o cenário onde vivenciamos o observador e aquilo que é observado. Há um espaço claro, uma dimensão de clareza que recebe a dança do sujeito-objeto. Em sua qualidade espaçosa não há atração nem rejeição dos eventos que nela se manifestam. Portanto, não há retenção de energia, mas fluidez.

Já desfrutamos desta escuta intuitiva quando respiramos fundo, quando suspiramos ou descansamos. Quando permitimos que novas ideias surjam, quando nos encontramos abertos e vivos. É deste espaço que nos reabastecemos quando precisamos de energia e inspiração.

A escuta intuitiva é essencial em nossas vidas. É dela que o verdadeiro bem-estar surgirá, pois sua qualidade é descontraída e desobstruída.

Por não haver rigidez, não há tensão mas abertura, expansão e florescimento. Portanto, quando silenciamos a atividade de observar, ouvimos a melodia da vida, o ritmo vivo que flui e floresce em todas as direções.


Afeição

Há muitas palavras que designam uma abertura do coração leve, acolhedora, receptiva e nutritiva por onde acontece o encontro e a dança de nosso ser com outro ser. Em grego, o verbo fi.léo é traduzido por ‘ter afeição’. Ter afeição expressa um vínculo íntimo, um canal aberto e seguro onde há ressonância positiva, cumplicidade e confiança.

É deste termo que surge também o termo grego fi.ladel.fí.a, que literalmente significa ‘afeição a um irmão’, traduzido como ‘amor fraternal’.

Filadelfia indica uma afeição natural surgida do calor humano das relações íntimas e de confiança, tais como as entre familiares. Esta relação segue as orientações de vida comunitária, nas congregações espirituais.

Deste estado de ser expressa-se fi.lí.a, o termo grego que designa ‘amizade’, que por extensão de significado torna-se ‘amor’. Em sânscrito temos uma origem muito próxima através do termo maitri (ou metta em páli) – afeição amorosa e do termo mitra – amizade.

Etimologicamente metta quer dizer a ‘essência da amizade’ (mittassa sabhavo), ou seja, um estado de ser receptivo, aberto e acolhedor com outrem, abudante, generoso, entregue.


Afinidade

Através da afeição desenvolvemos afinidade. Afinidade significa ‘sentir com’. Não é sentir pelo nem sentir por. É receber o que vem do outro com aceitação e acolhimento anterior ao entendimento e elaboração conceitual. Quando sentimos com outrem não há necessidade verbal, é perceber no coração, no peito inteiro. Falamos menos, sentimos mais. Reconhecimento e consentimento transbordam através de nossos olhos e poros. Quando ‘sentimos com’ nos comunicamos silenciosamente, reconhecemos sem contaminar, consentimos sem julgar, compreendemos sem ocupar ou substituir o lugar do outro, aceitamos sua legitimidade antes de avaliarmos e questionarmos.

Afinidade é encontrar no outro perdas e medos semelhantes e vitórias e expectativas iguais por essência. Nos compreendemos em nossos potenciais e incapacidades, possibilidades e impossibilidades. Afinidade é o portal por onde nos expandimos e tornamos o outro parte de nós mesmos, nos ampliamos a viver a partir da relação e amizade genuínas.


Simpatia

Da afinidade surge a simpatia, ou seja, não conseguir esta indiferente a felicidade ou tristeza dos outros. Uma vez estabelecido o vínculo através da afeição e da afinidade, passamos a estar mais sensíveis ao movimento do outro, as suas instabilidades, desequilíbrios bem como a sua harmonia e vitórias. Passamos a nos sentir interligados, conectados, com um constante canal aberto, porém, vulnerável ao nosso próprio olhar, pré-disposições, memórias e capacidades.


Empatia

A partir da simpatia, surge um olhar que se aproxima do outro e pode alcançar seus referenciais, compreendê-lo a partir de seus próprios olhos e sentimentos. Isto chamamos de empatia. Empatia é ver com os olhos do outro, ouvir com seus ouvidos, sentir com o seu coração.

Portanto, empatia é a aptidão de se colocar no lugar do outro e ver o mundo a partir de sua própria perspectiva – cognitiva, emocional, física, social e cultural. É através desta qualidade que estabelecemos relações legítimas, boas amizades baseadas em compreensão e escuta mútuas, fundadas livres de causar mal e repletas da potencialização do florescimento.

Certa vez, há 2500 anos, Ananda, discípulo e atendente de Shakyamuni, o Buda da Índia, disse a ele que “metade do caminho está baseado em amizade, companhia e associação com o bem”. O Buda, consentindo, adicionou que não só a metade do caminho, mas todo o caminho é estabelecido e realizado desta forma.


Realmente com-paixão

“Compaixão não é um relacionamento entre um curador e um ferido. É uma relação entre iguais. É somente quando conhecemos bem a nossa própria escuridão é que poderemos estar presentes com a escuridão do outro. A compaixão torna-se real quando reconhecemos a humanidade que compartilhamos.” ~ Pema Chodron

Estas palavras falam sobre nosso lado humano, porque descrevem de forma simples e direta a a nossa humanidade – a confusão, os medos, esperanças e frustrações pelas quais nossos corações atravessaram e atravessam, muitas vezes sem ninguém, além de nós mesmos, terem conhecimento. Olhamos para um lado, para o outro, atrás e a frente. Sentimos nossos corações mais sensíveis, percebemos que outros corações ao nosso redor sabem exatamente o que somos – humanos. Há algo em comum entre nós, nos sentimos expandindo e chegando no outro, partilhando, co-existindo, se comunicando. Sentimos compaixão.

O termo compaixão deriva de duas palavras latinas: ‘cum’ e ‘patire’. Cum significa ‘com’, o que me faz pensar em uma ‘relação’, ‘estar junto’, ‘co-existir’ e ‘patire’ significa ‘sofrimento’, ‘mal-estar’ etc, uma palavra da qual conhecemos bem o sabor. Em sânscrito esta palavra é karuna. Na literatura do caminho mahayana do Buddha, especificamente no Sutra Akṣayamatinirdeśa, karuna é descrito como “ação”, o que concorda com sua raíz sânscrita kṛ, que significa “atitude ou ação”, ou seja, uma ação de interromper ou eliminar o mal-estar de outrem.

Portanto, a compaixão na ciência contemplativa do budismo não é uma experiência passiva, mas um ato compassivo. Em tibetano, a palavra sânscrita karuna foi traduzida como “Nying-djê”.

A palavra tibetana Nying-djê diz respeito a um ‘coração’ (nying) ‘elevado’ (djê). Coração aqui diz respeito a ‘conexão’, a energia que nos faz nascer na relação com outrem. Porém, nying-djê não é qualquer conexão, não é qualquer sentimento ou vibração de energia. Ela é ‘elevada’ devido a sua consciência sobre a natureza de sua relação, surge a partir da elevada compreensão sobre a conexão que se estabeleceu. No Tantra budista nying representa o espaço amorosamente sábio de nossa natureza que se revela através de djê, seu movimento compassivamente habilidoso – a coexistência entre o espaço amorosamente ciente e o movimento de sua energia compassivamente interdependente. Esta energia espaçosa, hábil, sábia e paz-ciente é ativa, se movimenta na direção dos seres, nasce a partir desta conexão, compreende esta relação de forma toda abrangente e aspira que todos os seres estejam livres de qualquer mal-estar e de todas as suas causas.

S.S. Gyalwang Drukpa, diz que não há como desassociar o amor da compaixão, que ambos são concomitantes. Ele explica que a compaixão é o espaço todo acolhedor que naturalmente abraça e compreende o sofrimento dos seres e o amor é a energia consciente que espontaneamente se move na direção de seu bem-estar e equilíbrio.

Portanto, a compaixão de acordo com a ciência contemplativa é o conhecimento da própria natureza coexistente entre tudo e todos, é o conhecimento do ser que só existe na relação com seu universo, que não é encontrado fora desta ligação, que somente ‘é’ em sua coexistência, que nunca ‘é’ separado, desconectado, que é vazio de uma existência per se, porém, surge milagrosamente com-o-outro. Ter compaixão é reconhecer este potencial de liberdade, lucidez e leveza no outro. É se conectar através deste olhar livre, que o vê além de sua própria auto-ilusão.

Na via dos heróicos guerreiros do despertar, os chamados boddhisatvas, nota-se que eles regozijam ao encontrar dificuldades e atravessarem pelos mais variados sofrimentos. Porém, sofrer consciente da natureza deste sofrimento é despertar um coração elevado – nying-djê -, é compartilhar a conexão visceral com todos os seres – com-paixão -, é nos movimentarmos e agirmos a partir desta conexão consciente que tudo abarca – karuna. Não podemos despertar verdadeira compaixão por aquilo que não conhecemos, que não saboreamos, que não temos experiência direta. Ter realmente compaixão é desfrutar e profundamente entender a igual humanidade que todos compartilhamos e reconhecer sua verdadeira natureza que vai muito além das concepções limitadas que temos sobre si e sobre os outros. É saborear a vida como ela realmente é, de forma plena, livre de pré-conceitos, medos e expectativas. É reconhecer, em primeira pessoa, movimento natural e completamente espontâneo de ser, estar e viver.

A energia primordial que nos liga uns aos outros é o coração mais elevado que podemos encontrar no centro de nosso ser, que se expande e se inter-liga com o universo inteiro. A compaixão livre de referenciais, presto homenagem!

Partilhando das palavras provindas do coração de um dos maiores mestres budistas da Índia, Shantideva, em sua obra “Introdução a Ação dos Guerreiros do Despertar”:

“Para todos aqueles que padecem no mundo, até que todas as suas doenças tenham sido curadas, possa eu me tornar o médico, o enfermeiro e o próprio remédio.

Fazendo jorrar uma torrente de comida e bebida possa eu debelar os males da fome e da sede; e nas eras marcadas pela escassez e carestia, possa eu aparecer como bebida e alimento.

Para os seres sencientes, pobres e desprovidos, possa eu me tornar um tesouro inesgotável e dispor à sua frente, logo ao seu alcance, uma fonte abundante de tudo que possam precisar.

Meu corpo, juntamente com todos os seus bens, e todos os méritos que adquiri e que irei adquirir, ofereço todos, sem nada conservar, para propiciar o bem-estar de todos os seres.

A transcendência de todo o pesar, o nirvana, o objeto de meu empenho, é alcançado dando-se tudo. Portanto, todas as coisas devem ser abandonadas e é melhor que sejam todas dadas aos outros.

Este meu corpo entrego ao capricho de todos os seres. Deixem que eles o matem, surrem, ultrajem, e dele façam tudo o que desejarem. E ainda que o tratem como um joguete ou façam dele alvo de todo o ridículo, meu corpo foi a eles entregue – não há porque, agora, com ele eu me importar. Assim, deixem que os seres façam comigo tudo o que não lhes cause dano, e, sempre que os seus olhos pousarem sobre mim, possa isso nunca deixar de lhes trazer benefícios.

Se aqueles que me virem abrigarem um pensamento de raiva ou devoção, possa esse estado servir de causa para a realização de seu bem e de seus desejos.

Todos aqueles que me insultarem ou fizerem qualquer outro mal, mesmo os que me acusarem ou caluniarem, possam eles alcançar a bem-aventurança do despertar.

Possa eu ser um protetor para os que vivem desamparados, um guia para os viajantes que seguem pelas estradas; para os que desejam cruzar para a outra margem, possa eu ser uma balsa, um barco, uma ponte. Possa eu ser uma ilha para aqueles que anseiam por terra firme, uma lamparina para aqueles que desejam a luz, para aqueles que precisam de descanso, um leito; para todos os que necessitam de serviço, possa eu ser seu servo.”*


* Texto de Shantideva adaptado a partir da tradução original em língua portuguesa de Manoel Vidal. 

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